Projeto realizado com recursos da Lei Complementar nº 195/2022. O Ministério da Cultura e a Secretaria da Cultura do Estado do RS apresentam Memórias Negras em Verbetes: Inventário Participativo de Referências Espaciais, Sociais e Simbólicas
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- Bacia do Mont'Serrat
Figura 1: Mapa da Bacia do Mont’Serrat, Porto Alegre/RS – 1916 Fonte: Elaboração de Daniele Machado Vieira sobre Mapa de Porto Alegre/RS, 1916 (IHGRGS, 2005) A té meados do século XX – e talvez até as décadas de 1980/90 – a área do atual bairro Mont'Serrat era um antigo território negro conhecido como Bacia do Mont'Serrat. Seus primeiros registros datam da primeira década do século XX. Conforme o historiador Sérgio Franco, em 1913 eram anunciados terrenos para venda na área (2006, p. 279). Sanhudo (1975), antigo cronista da cidade, narra a existência de moradores na área antes de 1910, considerado o início oficial do bairro com a construção da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora. Com olhar estigmatizado e depreciativo, ele relata que “antes disso já havia moradores aí nesses valões da antiga rua Álvaro Chaves, hoje Arthur Rocha” (SANHUDO, 1975, p. 111), apontando a Rua Arthur Rocha como a primeira via ocupada. É simbólico que este antigo território negro, na época ocupado majoritariamente por famílias negras, tenha tido como nome do seu primeiro logradouro uma personalidade negra da segunda metade do século XIX. Arthur Rodrigues da Rocha (1859-1888) era um dramaturgo negro, rio-gradino (SANTOS, 2009, p. 56), que na virada do século XIX-XX tinha suas peças encenadas nos festejos da Sociedade Floresta Aurora. Em 1916 foi quando a área da Bacia do Mont’Serrat apareceu pela primeira vez em um mapa, tendo como limites a Rua Arthur Rocha a leste, a Rua Nova York (atual Av. Cel. Lucas de Oliveira) a oeste, a Estrada da Pedreira (hoje a Av. Plínio Brasil Milano) a norte e a Rua Anita Garibaldi ao sul. Esse quadrilátero engloba uma parte considerável da área que, posteriormente, será considerada a Bacia do Mont’Serrat, a qual estendia-se da Av. Plínio Brasil Milano até Rua Pedro Ivo (no sentido norte-sul) e da Rua Pedro Chaves Barcelos até a Av. Mariland (na direção leste-oeste). Todas essas ruas podem ser consideradas como “bordas” da Bacia por estarem em um plano elevado em relação a sua área interna. O Mapa de 1916 mostra que nessa época a área do Mont’Serrat era o limite desta parte da cidade, havendo um amplo espaço em branco (a princípio não urbanizado) na face sul e leste. Na área em branco ao sul, posteriormente irão se localizar os bairros Bela Vista e Petrópolis. O cronista Sanhudo (1975) narra a marcante presença negra na região, conferindo, contudo, uma conotação desqualificadora ao grupo, descrevendo os moradores como “despreocupados” e “estirados em barrancos”, mencionando-os como “filhos de Cam” (em uma leitura bíblica, aqueles que deram origem ao continente africano). Em contraponto às descrições depreciativas estão as narrativas dos moradores e frequentadores do bairro, como a de Dona Shirley Machado, neta e filha de lavadeiras, ainda residente na área. Os antigos moradores relatam a existência de diversas bicas d’água espalhadas pelas ruas do bairro. Próximo às bicas, acumulavam-se as tinas de lavar roupas, nas quais as mulheres exerciam o ofício, passado de geração em geração. D. Shirley relembra o ofício das mulheres de sua família, narrando a existência de uma bica e diversas tinas de lavar roupa na Rua Fabrício Pilar (SANTOS, 2010, p. 110). Ela conta que havia também tias costureiras, cozinheiras, especialistas em doces, destacando, contudo, que a mãe não a ensinou o ofício de lavadeira, pois quis que estudasse, rompendo o ciclo de trabalho ligado às atividades domésticas. Repleta de casas de batuque, a Bacia do Mont'Serrat era considerada lugar de batuqueiro forte, conforme as narrativas colhidas por Pólvora (1996, p. 165). Uma das entrevistadas da fotógrafa Irene Santos revela a existência de diversos terreiros em uma mesma rua: “Na Rua Comendador Rheingantz havia sete casas de religião, de orixás fortes. Na frente da casa dos meus pais morava o Pai Joãozinho do Bará, muito conhecido na cidade” (SANTOS, 2010, p. 116). Até os anos 1980/90 muitas outras casas religiosas povoavam a paisagem do bairro, com gerações de batuqueiros sucedendo-se ali, como Mãe Laudelina do Bará pertencente à terceira geração de uma família de santo (PÓLVORA, 1996, p. 165). A forte religiosidade negra na área é um dos motivos do termo Bacia na denominação do bairro. Para os adeptos da religião de matriz africana, “bacia” refere-se ao pertencimento dos terreiros do bairro a uma mesma matriz/linha religiosa (RECH, 2012, p. 31), conformando uma origem espiritual comum, uma mesma procedência. Crê-se, ainda, que a forma côncava do relevo, formado por uma parte baixa ao centro ladeado por partes altas, apresentando o formato semelhante ao de uma bacia (objeto), teria levado a área a ser popularmente batizada de Bacia do Mont'Serrat. As memórias sobre o bairro também remetem aos blocos de carnaval, como o “Aí vem a Marinha” e “Não vai pra ti”, além de grandes bailes promovidos por Júlio Ferreira, Seu Pretinho. Os antigos moradores orgulham-se dos piqueniques dominicais, momentos de sociabilidade das famílias negras, assim como de terem visto crescer um dos grandes jogadores do Grêmio, o futebolista Roger Machado, nascido e criado no bairro. O território negro Bacia do Mont’Serrat ao qual nos referimos já não existe mais, devido, em boa medida, à grande transformação social e econômica do bairro nas últimas décadas. Mas ainda há uma presença negra que resiste à vertiginosa verticalização e elitização do bairro. Referências FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre : guia histórico. 4. ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2006. PÓLVORA, Jacqueline Britto. Na encruzilhada: impressões da socialidade batuqueira no meio urbano de Porto Alegre/RS. In : LEITE, Ilka Boaventura (org.). Negros no Sul do Brasil : invisibilidade e territorialidade. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1996. p. 159-175. RECH, Tiago Bassani. Casas de religião de matriz africana em Porto Alegre: territorialidades étnicas e/ou culturais a partir da antiga Colônia Africana. 2012. 125 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. SANHUDO, Ary Veiga. Porto Alegre : crônicas da minha cidade. Porto Alegre: Editora Movimento: Instituto Estadual do Livro, 1975. 2 v. SANTOS, Irene (org.). Negro em Preto e Branco : história fotográfica da população negra de Porto Alegre. Porto Alegre: [ s. n. ], 2005. SANTOS, Irene (coord.) et al . Colonos e Quilombolas : memória fotográfica das colônias africanas de Porto Alegre. Porto Alegre: [ s. n. ], 2010. SANTOS, Isabel Silveira dos. Abram-se as cortinas : Representações étnico-raciais e pedagogias do palco no teatro de Arthur Rocha. 2009. 144 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Luterana do Brasil, Canoas, 2009. Disponível em: https://servicos.ulbra.br/BIBLIO/PPGEDUM103.pdf. Acesso em: 27 mar. 2017. VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre/RS (1800-1970) : geografia histórica da presença negra no espaço urbano. Belo Horizonte: ANPUR, 2021. Disponível em: https://anpur.org.br/territorios-negros-em-porto-alegre-rs-1800-1970. Acesso em: 25 jan. 2023.
- Luanda Bar
O Luanda Bar foi tido como um reduto da boêmia e de conversas acaloradas sobre o movimento negro de Porto Alegre. A história do bar começou nos anos 1960, fundado pelo artista plástico e pai de santo João Altair, que homenageou o continente africano, batizando o lugar com o nome da capital de Angola, além de ornamentar o lugar com máscaras e pinturas de guerreiros africanos. Depois de vários proprietários, em 1971, o bar passou para Tidi, apelido pelo qual Aristides da Silva e o Luanda Bar (o Bar do Tidi) passaram a ser conhecidos. Do início dos anos 1970, até o final da década de 1980, o lugar também era muito procurado, especialmente nas madrugadas, pelo famoso “Sopão do Tidi”. A iguaria era composta por três ingredientes básicos: água, galinha e massa e, junto com uma pimenta vermelha forte preparada em um garrafão, foi, por quase 17 anos, o destaque do cardápio. A ideia da sopa veio por acaso, em uma noite fria, em que os clientes pediam cachaça para espantar o frio. O caldo era preparado à vista de todos e, nos primórdios, servido em copos, para depois ser servido em pratos nas mesas e no balcão. O bar aceitava os bêbados, desde que não fossem chatos e respeitassem as normas do espaço; caso contrário, eram expulsos irremediavelmente. O bar era frequentado por jornalistas, músicos, políticos e outras personalidades da noite porto-alegrense que chegavam para finalizar a noitada com o sopão. Parte do sucesso e popularidade do bar deve-se ao horário de funcionamento: abria por volta das 21h e só fechava de manhã. Entre os ilustres frequentadores, o Luanda recebeu Lupicínio Rodrigues, o jornalista Paulo Sant’Ana, Glênio Peres, Jamelão, Jorginho do Trompete (Jorge Alberto de Paula), entre outros. O Luanda Bar, minúsculo, porta e janela, era localizado na Rua José do Patrocínio, n. 889, quase esquina da Praça Garibaldi, e possuía três ou quatro mesas. Bastante iluminado e sem música ambiente ou apresentações musicais, funcionava a semana inteira, inclusive nos feriados. Junto com a sopa, a fama do bar veio da figura folclórica e amável de Tidi, descrito como grande e forte, e que se vestia com avental, gravata e um boné branco para receber os clientes. O bar fechou em janeiro de 1988, quando Tidi ficou doente e não teve um sucessor para seguir sendo a alma do lugar. Referências VARGAS, Bruna. Mais famosa que a do Van Gogh: a história da sopa de três ingredientes que curava toda ressaca na Cidade Baixa. Memória afetiva da capital. In : GZH Porto Alegre . 8 dez. 2020. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2020/12/mais-famosa-que-a-do-van-gogh-a-historia-da-sopa-de-tres-ingredientes-que-curava-toda-ressaca-na-cidade-baixa-ckifdeq6y00d5019w7o5rja3a.html. Acesso em: 29 nov. 2022. SANTOS, Irene (org.). Negro em Preto e Branco : história fotográfica da população negra de Porto Alegre. Porto Alegre: [ s. n .], 2005.
- Bar Naval Chopp
C onsta que o registro do Bar Naval Chopp foi aberto por holandeses, em 11 de maio de 1907, mas que foi fundado no ano anterior. Outra versão diz que o italiano Ângelo Crivellara foi seu fundador e a foto dele no bar reforça essa hipótese. Situa-se, desde então, no térreo do Mercado Público de Porto Alegre e, inicialmente, foi ponto de encontro de imigrantes alemães, sendo famoso por seu chopp e pela culinária luso-brasileira. Sobreviveu a duas guerras mundiais, à enchente de 1941 e aos incêndios do Mercado. Em 1953, foi assumido pelo português Antônio Lopez Branco e, a partir de 1961, por João Fernandes da Costa, também português. Com a construção do Cais do Porto, em 1920, o Naval constituiu-se em um ponto de encontro dos marítimos e estivadores, que eram, em sua grande maioria, negros. Mas não só eles, pois o Mercado era um indicador informal de empregos de baixa remuneração, atraindo inúmeros trabalhadores negros que também finalizavam o dia socializando no boteco. Segundo um dos atuais proprietários, foi o primeiro bar da cidade a receber negros e brancos no mesmo ambiente. O lugar foi referência para os boêmios da cidade e, segundo conta-se, recebeu frequentadores ilustres internacionais, como Carlos Gardel e Carmen Miranda, e estrelas locais da envergadura de Lupicínio Rodrigues e Elis Regina, além de políticos, como Getúlio Vargas, João Goulart e Glênio Peres. Também foi referencial de lazer, considerado marco importante para os negros, uma vez que foram perdendo seus espaços no centro da cidade, fazendo dali um território simbólico, em conjunto com o próprio Mercado Público, sendo o local de encontro do movimento negro e marcado pela participação política de seus frequentadores. Depois da restauração do Mercado Público (1990-1997), a maioria dos bares e as pequenas lojas fecharam ou perderam suas características principais. O Bar Naval Chopp resistiu e, hoje, chama-se Restaurante Naval, mudança feita nos anos 2000. Na atualidade, tem outro público frequentador. Referências BURKHARDT, Fabiano. Um bar sem preconceito. Jornal Laboratório Três x Quatro. Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS. Porto Alegre, Agosto, 1999, p.3. Disponível em: / https://cedap.ufrgs.br/xmlui/bitstream/handle/20.500.11959/74/OCR.pdf?sequence=1 . Acesso em: 31 maio 2023. JORDANI, Airton. Violento Mocotó no Naval. Blog Arte na mesa.com. Porto Alegre, 09 jun. 2008. Disponível em: http://artenamesa.blogspot.com/2008/06/violento-mocot-no-naval.html . Acesso em: 31 maio 2023. IGLESIAS, Simone. Bar Naval, 100, abrigou de Lupicínio a Getúlio. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 01 nov. 2007. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/turismo/fx0111200727.htm . Acesso em: 31 maio 2023. XAVIER, Amanda. Tradição no prato: conheça os restaurantes mais antigos de Porto Alegre. Caderno Destemperados, Jornal Zero Hora. Porto Alegre. 23 ago 2021. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/destemperados/experiencias/noticia/2019/07/conheca-os-restaurantes-mais-antigos-de-porto-alegre-ckbkl6k260006eisle4bxv156.html . Acesso em: 31 maio 2023.
- Colônia Africana
Figura 1: Mapa da Colônia Africana, Porto Alegre/RS – 1888 Fonte: Elaboração de Daniele Machado Vieira sobre Mapa de Porto Alegre/RS, 1888 (IHGRGS, 2005) Figura 2: Colônia Africana, Porto Alegre/RS – início Séc. XX Fonte: Acervo Biblioteca Digital Luso Brasileira A Colônia Africana foi um arraial caracterizado pela grande presença de famílias negras, existente na cidade de Porto Alegre por, no mínimo, cinco décadas: de meados de 1880 até, pelo menos, os anos 1940/1950. Localizada no entorno da área central, na região que hoje corresponde ao bairro Rio Branco, a Colônia Africana tem sua ocupação inicial relacionada a negros libertos que por ali se estabeleceram no período próximo à Abolição da Escravidão (1888). Seu Jayme Moreira da Silva (1916-2014), morador da região durante toda a vida, relata que “a Colônia Africana era povoada por escravos libertos e pelos seus descendentes. Filhos, netos e bisnetos e assim por diante. Mais alemães e italianos que ali se estabeleceram” (2005, p. 19). A hipótese de ocupação inicial por negros libertos é fortalecida pelo fato de que em 1884 abolicionistas comemorarem a emancipação de 134 escravizados no 3º Distrito, região da cidade na qual vai se localizar a Colônia Africana (ROSA, 2019, p. 150). Relatos apontam que negros libertos teriam se instalado nas bordas dos casarões da Avenida Independência e chácaras existentes nas imediações do atual bairro Rio Branco. Nas décadas de 1910/1920 começam a alojar-se na área imigrantes europeus de diversas nacionalidades: alemães, italianos, espanhóis, portugueses, judeus, russos, austríacos (ROSA, 2019). Em 1888, simbolicamente o ano da Abolição da Escravidão, a área da Colônia Africana aparece pela primeira vez em um mapa da cidade, já com cinco ruas traçadas. Um dos registros mais antigos que se tem da área – com esta denominação – é um anúncio de 29 de janeiro de 1894, no qual são oferecidos para venda terrenos “bem localizados” em diversas áreas da cidade: “[...] Tem a venda terrenos bem localizados, sito as ruas Independência, Silveira Martins, Santo Antônio, Campo do Bom Fim, Garibaldi, Venezianos, Concórdia e na Colônia Africana às ruas Ramiro Barcelos, Castro Alves e Venâncio Ayres” [atual Rua Vasco da Gama] (A FEDERAÇÃO, p. 3, grifo meu). Esse anúncio é um marcador espacial e temporal da Colônia Africana, pois além de apontar algumas das ruas que a compunham, também confirma que na década de 1890 a região já era conhecida por esse nome. Embora não tenha sido oficialmente reconhecida como uma área da cidade, são feitas menções à Colônia Africana na condição de arraial (o equivalente a um bairro) em pelo menos dois documentos do poder público municipal nos anos de 1896 e 1898, referindo, respectivamente, à correção de ruas com nome em duplicidade e à taxação de impostos na zona suburbana (KERSTING, 1998, p. 105). No início do século XX, a Colônia Africana se expandiu. Nos mapas de 1906 e 1916 ela já aparece com muitas outras ruas traçadas. De acordo com as fontes e os antigos moradores, o arraial iniciaria na Rua Ramiro Barcelos estendendo-se até os altos do Morro do IPA, chegando a atingir a Av. Maria (atual Av. Cel. Lucas de Oliveira) no sentido oeste-leste. No sentido norte-sul, da Rua Castro Alves até a Av. Protásio Alves, tendo como principais transversais a Rua Esperança (atual Rua Miguel Tostes) e a Rua Mariante, que dividia a Colônia Africana em uma parte baixa, a oeste, e uma parte alta a leste. Ao longo de algumas décadas, até ao menos a década de 1920, a área da Colônia Africana era o limite de uma parte da cidade, com suas ruas acabando em uma ampla área de vegetação (indicada por arbustos nos mapas de 1888 e 1906) ou tendo como continuidade um grande espaço em branco, indicando um vazio urbano, como no Mapa de 1916. Quanto à denominação, acredita-se que o termo “Colônia” esteja relacionado ao seu contexto inicial de área de características semirrurais, com quintais para criação de animais (cabras, galinhas, etc) e pequenas hortas (ROSA, 2019, p. 148-149). Já o adjetivo “Africana", sem dúvida faz menção aos moradores do lugar, africanos e seus descendentes, como os constantes nos Livros de Registros da Santa Casa no final do século XIX levantados por Kersting (1998, p. 211). Nessa perspectiva, o termo “Colônia Africana” condiz com a ideia de uma região, inicialmente rural, habitada por negros (ROSA, 2019, p. 149). A nomeação da área como decorrente da predominância do grupo racial negro é também apontada pelo cronista Sanhudo, que se refere à área como “região que, mais habitada por pretos, foi ficando com o pitoresco e significativo nome de Colônia Africana” (1975, p. 113). Embora o arraial não tenha sido habitado exclusivamente por negros, até a primeira década do século XX esses eram os moradores majoritários, tornando-se o lugar uma extensão dos seus habitantes, inclusive na denominação daquela região da cidade. Em 1913, a área passa a ser oficialmente denominada de bairro Rio Branco em homenagem ao Barão do Rio Branco. Contudo, parece que a nova denominação demora a emplacar, pois em um relatório da Intendência Municipal de 1918 a área é mencionada como “bairro Rio Branco (antiga Colônia Africana)” (FRANCO, 2006, p. 114). Duas décadas após, em 1940, notícias da imprensa sobre o carnaval referem-se à festa na Colônia Africana, indicando a continuidade da nomenclatura e deste antigo território negro. Narrando os cortejos do pré-carnaval, uma reportagem do jornal Correio do Povo , de 27 de janeiro de 1940, vai se referir aos “morenos” que “desceram os morros, desembocaram da Colônia Africana”. Outra notícia na Revista do Globo , em 17 de fevereiro de 1940, menciona a Colônia Africana, descrevendo um festejo no Salão do Ruy (antigo Salão Modelo), qualificando-o como “a sociedade de pretos da Rua Esperança”, reafirmando a existência de uma comunidade negra no local ainda nessa época. Quando se fala em memórias da Colônia Africana, a Rua Esperança (atual Rua Miguel Tostes) é constantemente referida. Foi nessa rua que em 1942 nasceu a Profª Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, referência nacional em educação para as relações étnico-raciais (ERER), cuja família tem residência desde o raiar do século XX. Por ali também circulavam os blocos de carnaval da área: Os Fazendeiros, Os Turunas e Os Prediletos, com os dois últimos revezando-se nos primeiros lugares dos concursos. Quando chegava a primavera, iniciavam os preparativos para o carnaval e, nas palavras de Seu Jayme Moreira da Silva, “da primavera à quaresma, a Colônia Africana era só festa”. Horacina Corrêa, grande intérprete do Bloco os Turunas, tinha sua voz ouvida de longe, levantando os moradores da Rua Esperança da cama para vê-la passar. Ao descrever os festejos católicos da área, seu Jayme Silva (2005, p. 53) relata que a participação das famílias negras era realizada conforme o “ritual africano”. Ocorridas no Morro da Piedade (na subida da Rua Cabral), essas celebrações ao “ritual africano” eram compostas por piqueniques, música, comidas típicas, dança, desfiles e mães de santo. Mãe Chininha, mãe de santo que residia nas imediações, abria as solenidades, pedindo muito amor, respeito, cura e paz. O antigo morador também faz menção à existência de diversas casas de batuque na região, relatando que mesmo os negros adeptos do catolicismo não deixavam de frequentar “a religião tradicional africana, de origem de seus avós [...] cultuada em toda a Colônia Africana” (2005, p. 53). Sobre o fim da Colônia Africana, sabe-se que com a valorização do espaço, a área foi se transformando. Aos poucos as famílias negras foram migrando e o local deixando de ser caracteristicamente negro. Referências A FEDERAÇÃO. Porto Alegre. n. 24, p. 3. 29 jan. 1894. Acervo da Hemeroteca Nacional. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=388653&pagfis=1. Acesso em: 5 nov. 2020. CORREIO DO POVO. Porto Alegre, 27 jan. 1940. FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre : guia histórico. 4. ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2006. KERSTING, Eduardo Henrique de Oliveira. Negros e a modernidade urbana em Porto Alegre : a Colônia Africana (1890 – 1920). 1998. 221 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1998. O CARNAVAL em todos os recantos. Revista do Globo , Porto Alegre, n. 269, p. 45, 17 fev. 1940. ROSA, Marcus Vinicius de Freitas. Além da invisibilidade : história social do racismo em Porto Alegre durante o pós-abolição. Porto Alegre: EST Edições, 2019. SANHUDO, Ary Veiga. Porto Alegre : crônicas da minha cidade. Porto Alegre: Editora Movimento: Instituto Estadual do Livro, 1975. 2 v. SILVA, Jayme Moreira da. Colônia Africana . Porto Alegre: [ s. n .], 2005. VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre/RS (1800-1970): geografia histórica da presença negra no espaço urbano. Belo Horizonte: ANPUR, 2021. Disponível em: https://anpur.org.br/territorios-negros-em-porto-alegre-rs-1800-1970. Acesso em: 14 dez. 2022.
- Igreja da Nossa Senhora do Rosário (Beco do Rosário/Rua Vig. José Inácio)
A primeira construção desta igreja ocorreu entre 1817 e 1827, empreendida pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, uma confraria de negros livres e escravizados. Foi edificada na então Rua da Bandeira, a atual rua Vigário José Inácio, construída durante as horas vagas dos trabalhadores negros, sob a orientação do tesoureiro da Irmandade, Francisco José Furtado, cujo apelido era “Chico Combuta”, tendo recebido a imagem de sua padroeira em 1827. Apesar de contar com poucos recursos, a igreja chamava atenção pelos seus doze metros de altura e duas torres quadrangulares. Seu interior continha, além do altar-mor, outros quatro altares laterais, que abrigavam dezessete imagens, algumas valiosas, vindas de Portugal. Alegando que a igreja não comportava mais a quantidade de fiéis e ameaçava desabar, a Mitra Arquidiocesana a demoliu e em seu lugar construiu outra com estrutura pesada, pouco original e sem uma identidade com a arquitetura local. A Irmandade do Rosário de Porto Alegre foi criada em 1786 e manteve o caráter aberto a todos os grupos étnicos. Embora a igreja católica tivesse como objetivo domesticar a população africana e seus descendentes, legitimando a escravidão, as irmandades foram importantes, proporcionando uma relativa autonomia para a prática religiosa, favorecendo a integração e a socialização entre escravizados e libertos. A presença de brancos nas irmandades onde a maioria era negra levou a uma vivência diferenciada da relação de subordinação existente entre cativos e senhores. Nas reuniões de decisão, reuniões da Mesa, poderiam estar presentes, como mesários, um escravizado e o seu senhor, decidindo sobre assuntos comuns em igualdade, materializando uma prática de resistência contra a escravidão. Além da sociabilidade e auxílio mútuo que a Irmandade permitia, a convivência entre os cultos africanos e portugueses foi fundamental para a preservação de elementos da religiosidade africana, que mesclados com as bases do catolicismo, foram ressignificados e adaptados para a realidade daquele período histórico. Outros atos que são vistos como resistência foram o dever de dar um funeral aos congregados, o amparo aos familiares dos irmãos pobres, a compra de alforria, servindo a própria Irmandade como modelo para outras associações negras de auxílio mútuo, mas sem o caráter religioso das irmandades. O Beco do Rosário localizava-se onde hoje é a avenida Otávio Rocha e recebeu esta denominação após a construção da Igreja da Nossa Senhora do Rosário. Segundo pesquisadores, antes dessa construção, havia uma placa com os dizeres “24 de maio” que o identificava e, o Beco do Rosário, referia-se apenas a um segmento dessa travessa, que ficava mais próximo à igreja. Ali habitou um morador ilustre no sobrado de n.º 21, o poeta e dramaturgo Qorpo Santo, que escreveu a antológica peça “Hoje sou um, e amanhã outro” , estreada na data de 15 de maio de 1866. Para melhor compreender, o conceito de beco relaciona-se com uma rua secundária no traçado urbano hierarquizado e tipicamente ocupado por parcelas mais pobres da população. Pesquisas acadêmicas apontam que parte significativa dos habitantes dos becos eram trabalhadores pobres e, em grande parte, nascidos ou com antepassados no continente africano. Como forma de segregação, havia a desqualificação dos negros como trabalhadores independentes, o que contribuía para a ausência de políticas de reinserção destas pessoas, acarretando sua exclusão do exercício integral da cidadania, incluindo o direito de acesso à cidade. A rua Vigário José Inácio recebeu esta denominação em 1977. Inicialmente, chamava-se Rua do Bandeira e, em 1816, com a construção da igreja, passou a ser conhecida como rua do Rosário, mas apenas na década de 1830 o nome veio a se fixar. A partir disso, os becos tornam-se locais de interação social estigmatizados pela moral das classes dominantes, tendo quase sempre uma conotação pejorativa e considerados como espaços urbanos subalternos. Assim, a modernização da cidade passava pela destruição e higienização desses lugares, especialmente aqueles próximos a locais de prestígio. O Beco do Rosário foi destruído em 1926, na gestão do Intendente Otávio Rocha, dando origem a uma avenida mais larga e expulsando seus habitantes daquele lugar, condenado por sua sociabilidade e por ser remanescente insalubre da cidade colonial. Referências ANDREIS, Suélen. O brilho da festa não cessa a dor : experiências de resistência negra na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Porto Alegre (1827-1861). 2015. (Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em História) – Universidade Federal do Rio Grane do Sul, Porto Alegre, 2015. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/132357. Acesso em: 9 dez. 2022. KOEHLER, Ana Luiza Goulart. Retraçando os becos de Porto Alegre : visualizando a cidade invisível. 2015. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/139940. Acesso em: 9 dez. 2022. FRANCO, Sergio da Costa. Porto Alegre : guia histórico. 4. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2006.
- Igreja Nossa Senhora das Dores (Pelourinho)
É o templo católico mais antigo atualmente em Porto Alegre, um elemento constitutivo da história e da paisagem urbana. Iniciou sua existência como uma pequena capela, quando a Rua dos Andradas ainda era literalmente a Rua da Praia, no Centro Histórico. A estrutura, como é hoje conhecida, começou a ser construída em fevereiro de 1807. Contudo, só foi finalizada totalmente, e após inúmeros percalços, em 1904. Entre os incontáveis acontecimentos que retardaram sua conclusão está a Revolução Farroupilha (1825-1935), que paralisou as obras até 1857, mas sem fechar a igreja. Foi tombada, no ano de 1938, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e, em junho de 2022, recebeu o título de Basílica de Nossa Senhora das Dores. Os escravizados foram os responsáveis por erguer a igreja, que teve a capela-mor, sua primeira fase, concluída em 1813, com recursos de doações da comunidade. Uma das formas que os senhores de escravos contribuíam para a edificação era emprestar seus cativos para o trabalho árduo e, assim, ficar com a consciência tranquila e a certeza de assegurar “um lugar no céu”. Por conta de ter demorado quase cem anos para ficar pronta, existe uma lenda que explicaria tal demora. Diz-se que, durante a construção, desapareceram tijolos e materiais de construção e a culpa foi atribuída ao escravizado Josino, que havia sido emprestado por Domingos José Lopes. Outra versão dessa lenda diz que Josino teria furtado uma das pedras preciosas que adornavam a imagem de Nossa Senhora, versão essa encontrada no livro Lendas Gaúchas, de Pedro Haase Filho. Já a versão que envolve material de construção é de Walter Spalding e encontra-se no livro Pequena História de Porto Alegre, de 1967. Já o historiador Sérgio da Costa Franco refere que, em sua pesquisa, o escravo que foi enforcado chamava-se Manoel e pertencia a Fermino Pereira Soares, cunhado de Domingos, José Lopes, e sua execução aconteceu em 9 de novembro de 1854 (FRANCO, 2006, p. 137) . Também, há menção de que grande parte do material doado por famílias abastadas era recolhido de volta, depois de demonstrada sua benevolência aos olhos da sociedade e dos religiosos, o que explicaria a demora da construção e o sumiço dos objetos. Ainda assim, a acusação do furto recaiu sobre o escravizado, que foi condenado à morte por enforcamento, sentença proferida por Domingos Lopes. A forca e o pelourinho, lugares públicos de uma povoação onde se afixavam os papéis públicos e eram punidos e expostos escravizados ao escárnio social, localizavam-se nas proximidades da igreja. Antes de ser executado, Josino pediu ajuda de Deus, alegou sua inocência e rogou uma praga, dizendo que, pela injustiça ali cometida, o seu senhor jamais veria o término da construção das torres da igreja, o que efetivamente aconteceu, pois Domingos José Lopes faleceu antes da conclusão da obra. O pelourinho representava simbolicamente a autonomia municipal e, em geral, era feito de madeira, com uma argola na ponta, transformando-se, ao longo do tempo, em um símbolo da violência da escravidão no país. Aqui, no estado, diz-se que se encontra um dos raros pelourinhos nacionais que resistiram ao tempo; seria o da cidade de Rio Grande. Na cidade de Porto Alegre, supõe-se ter existido mais de um, sendo que há registro de que, em 1782, a Câmara Municipal pediu o “padrão da cidade do Rio de Janeiro”, e, em 1810, o pelourinho em frente à igreja foi construído. Estima-se que, entre 1839 e 1865, não existissem mais pelourinhos na cidade. O que se localizava defronte à Basílica de Nossa Senhora das Dores, atualmente Av. Padre Thomé, foi confirmado documentalmente. Diz-se que a “praga” rogada pelo escravizado contribuiu muito para a demolição desse pelourinho. Referências FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre : guia histórico. 4. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2006. IGREJA Nossa Senhora das Dores. Projeto Viva o centro. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, [200?]. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/vivaocentro/default.php?p_secao=61. Acesso em: 6 dez. 2022. PELOURINHO: cidade de Porto Alegre. In: Blog Porto Alegre Antigo, o maior presente : dos Antepassados ao Século XXI – A maior história de Porto Alegre em cronológica. Porto Alegre, 22 mar. 2017. Disponível em: http://lealevalerosa.blogspot.com/2017/03/pelourinho-em-porto-alegre-pelourinho.html.Acesso em: 6 dez. 2022.
- Ilhota
Figura 1: Mapa Ilhota, Porto Alegre/RS – 1916 Fonte: Elaboração de Daniele Machado Vieira sobre Mapa de Porto Alegre/RS 1916 (IHGRGS, 2005) Figura 2: Ponte sobre o Arroio Dilúvio com a Ilhota ao fundo Fonte: Acervo Fototeca Sioma Breitman – Museu Joaquim José Felizardo C ircundada pelo Arroio Dilúvio, a Ilhota era uma pequena porção de terra existente na parte sul do bairro Cidade Baixa, mais especificamente, onde hoje estão o Ginásio Tesourinha, o Centro Municipal de Cultura e a atual Vila Lupicínio Rodrigues. Contígua ao Areal da Baronesa, a Ilhota tinha como limites, em sua configuração inicial, as antigas rua 13 de Maio (atual av. Getúlio Vargas) e rua Arlindo (atual av. Érico Veríssimo), a oeste e a leste; a Praça Garibaldi ao norte e a rua 17 de Junho (antiga Rua dos Coqueiros) ao sul (SANTOS, 2010, p. 36). A configuração da área da Ilhota, sua origem e desmantelamento, está relacionada ao Arroio Dilúvio, um dos principais cursos d'água da cidade. A origem da Ilhota remonta ao ano de 1905 (FRANCO, 2006, p. 208), quando duas pontas do meandro (grande curva) do mesmo (situado ao sul da Praça Garibaldi) se uniam, formando uma pequena ilha em seu interior, chamada de Ilhota. Ainda não canalizado, o Arroio Dilúvio cruzava a cidade no sentido leste-oeste, adentrando a Cidade Baixa, para então desaguar no Guaíba, passando através da Ponte de Pedra. Logo após a Ponte da Azenha, o Dilúvio formava essa grande volta e seu curso seguia paralelo à atual rua João Alfredo (rua da Margem, à época, por ser a margem do Riachinho) até chegar à ponte antiga do atual Largo dos Açorianos. Embora fechada em 1905, no Mapa de 1906 a Ilhota ainda aparece com o meandro aberto - somente uma década depois, no Mapa de 1916 é que a vila será apresentada com a configuração que a consagrou: uma ilha dentro da cidade. A rua Ilhota e a travessa Batista, futuras vias, já estavam traçadas. Para se ter uma ideia do crescimento do local e da quantidade de famílias residentes na área, no ano de 1946 foram catalogadas 77 construções, 62 prédios na rua Ilhota e 15 na travessa Batista, conforme levantado por Franco (2006, p. 208), a partir do Decreto Municipal n.º 333. Zona empobrecida, habitada por uma população majoritariamente negra, a Ilhota ficou imortalizada nas crônicas de carnaval e batuque, na memória e nos sambas saudosistas da cidade como zona boêmia, berço do samba, sendo lembrada especialmente por Lupicínio Rodrigues (1914-1974), seu ilustre morador. Nascido na Ilhota, com família residente na travessa Batista, Lupi, como era carinhosamente chamado, foi cantor e compositor, que com seus sambas conquistou projeção nacional. Muitos carnavais tiveram sua construção na área e entorno, como os blocos que saíam da Praça Garibaldi, contígua à Ilhota, e tinham como participantes ou organizadores foliões da mesma (GERMANO, 1999). Em suas lembranças dona Isaura, moradora na década de 1940, rememora o local: “a Ilhota que eu conheci era um corredor de casas, ou seja, uma casa do lado da outra. A mais bonita pertencia à família do Lupicínio Rodrigues” (SANTOS, 2010. pp. 36-37). Mestre Borel (2010), antigo e renomado alabê (tamboreiro) da cidade, importante figura das religiões de matriz africana, em suas lembranças, reconstrói mais um pouco da paisagem da área, lembrando dos pontilhões (pontes) de madeira (sobre o Arroio Dilúvio) que faziam a ligação da Ilhota com o entorno. Em sua fala ele também relembra os antigos batuqueiros da região, junto com o Areal da Baronesa, rua Cabo Rocha, estendendo-se para a região do bairro Santana. Assim como vários outros núcleos de família de baixa renda, a Ilhota era composta por gente simples, com ofícios relacionados ao trabalho doméstico e à prestação de serviços, como lavadeiras, cozinheiras etc. A solidariedade entre a vizinhança é uma marca ressaltada nas lembranças: A gente se ajudava mutuamente, principalmente as mulheres. Cuidávamos dos lavados enquanto uma ou outra lavadeira saía para fazer as entregas ou busca de roupas. Controlávamos as crianças para que não ficassem soltas na rua e por vezes cedíamos alimentos para aquelas famílias que se apertavam por falta de dinheiro, principalmente no final do mês (SANTOS, 2010, p. 45). Zona que sofria com as constantes cheias do Arroio Dilúvio, a Ilhota tem seu desaparecimento relacionado à canalização do Riachinho, nome dado ao Dilúvio na região da Cidade Baixa. Após a grande enchente de 1941, o Arroio Dilúvio começou a ser canalizado, tendo o trecho final de seu curso retificado para que passasse a correr retilíneo até a av. Praia de Belas, limite junto ao rio na cidade da época, antes do aterramento. A obra faz desaparecer os braços do Arroio que circundava a Ilhota, dando fim também às cheias e alagamentos. A Ilhota se expandiu até as proximidades da Rua Lima e Silva. Contígua ao Centro, a área passa a ser alvo do poder público e do mercado imobiliário, provocando uma brutal remoção da população residente no final dos anos 1960. Aqueles que não conseguiram residência em outro local foram removidos e, junto com moradores de outros espaços empobrecidos deram origem ao atual bairro Restinga - à vida na periferia longínqua. Localizada no extremo sul da cidade, distante cerca de 20 quilômetros, em 1968/1969, época da remoção, a área da Restinga não contava com a infraestrutura mínima, como água, luz, escola, para receber famílias e suas moradias, o que não impediu a remoção de diversas famílias para lá. Referências BOREL, Mestre (Walter Calixto Ferreira). Mestre Borel: a ancestralidade negra em Porto Alegre. Direção: Anelise Gutterres. Porto Alegre: Ocuspocus Imagens, 2010. 54 min. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ftjdoUEC4b0. Acesso em: 12 out. 2016. FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre : guia histórico. 4. ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2006. GERMANO, Iris Graciela. Rio Grande do Sul, Brasil e Etiópia : os negros e o carnaval de Porto Alegre nas décadas de 1930 e 40. 1999. 275 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999. SANTOS, Irene (coord.) et al . Colonos e Quilombolas : memória fotográfica das colônias africanas de Porto Alegre. Porto Alegre: [ s. n. ], 2010. VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre/RS (1800-1970) : geografia histórica da presença negra no espaço urbano. Belo Horizonte: ANPUR, 2021. Disponível em: https://anpur.org.br/territorios-negros-em-porto-alegre-rs-1800-1970. Acesso em: 25 jan. 2023.
- Campos da Redenção
Figura 1: Mapa das Territorialidades Negras em Porto Alegre/RS - Meados séc. XIX = Elaboração Daniele Machado Vieira. Fonte: Cartografia Virtual Histórica Urbana de Porto Alegre Figura 2: Campos da Redenção – década de 1900 Fonte: Iova (atribuído). Acervo Fototeca Sioma Breitman – Museu Joaquim José Felizardo D urante quase todo os 1800, os Campos da Redenção eram uma antiga e grande várzea, uma grande área descampada, baixa e alagadiça, potreiro e caminho de passagem para Viamão. Localizada fora da cidade, mas contígua a ela, foi local de batuques durante todo o século XIX. Coruja, o primeiro cronista da cidade, relata a existência do Candombe da Mãe Rita na década de 1830. “O Candombe da Mãe Rita era na Várzea […] mais ou menos no terreno então baldio e depois ocupado pelas casas do Firmo e Olaria do Juca...” (CORUJA, 1983, p. 26-27). Tal localização refere-se a atual rua Avaí e adjacências, em frente ao prédio da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). De acordo com o autor, “aí se reuniam nos domingos à tarde pretos de diversas nações, que com seus tambores, canzás, urucungus e marimbas, cantavam e dançavam...” (CORUJA, 1983, p. 26-27). É possível que o local tenha durado como lugar de batuques por bastante tempo, pois Achylles Porto Alegre, outro importante cronista da cidade, ao referir-se ao logradouro, relata que “tais terrenos, antes do arruamento e quando de todo abertos, serviam para a realização de festejos negros africanos, que ali realizavam seus ruidosos candomblés” (1994, p. 16). Na década de 1850, Maria José, mulher negra, liberta, apresentando-se como rainha ginga da Irmandade do Rosário, solicita às autoridades policiais licença para os negros realizarem seus festejos na área central (DIAS, 2008, p. 30). Após reiteradas solicitações, Maria José finalmente obtém autorização, a qual indica a Várzea como lugar para os batuques, “por ser fora do Centro da cidade” (DIAS, 2008, p. 33). No final do século ainda vão existir batuques na área, como os realizados em frente à Capelinha do Bom Fim. Achylles refere-se a esse batuque “ao ar livre” como “um dos mais populares,” acrescentando que “muita gente se abalava da cidade [o Centro] para ir ver a dança dos negros” (1994, p. 101). Note-se que esse batuque localizava-se ao lado da atual av. Osvaldo Aranha, na face oposta ao Candombe da Mãe Rita (localizado para nas imediações da atual av. João Pessoa), evidenciando a existência de festejos negros em diferentes pontos da antiga Várzea, assim como sua continuidade ao longo de todo o século dezoito. Em 1884, a Várzea ganha o nome oficial de Campos da Redenção, como forma de comemorar a libertação dos escravizados da cidade. Realizada em “Sessão Extraordinária comemorativa da redempção dos escravos do município de Porto Alegre,” ocorrida em 7 de setembro de 1884, na Câmara Municipal, a alteração teve o seguinte texto: O sr presidente declarando que convocara a Câmara para comemorar a libertação dos escravos na cidade de Porto Alegre e seu município, propõe, para solenizar de uma maneira perdurável o fato grandioso e patriótico, que o Campo do Bom Fim passe a denominar-se “Campo da Redempção”. É unanimemente aprovada esta proposta (CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, 1884, p. 2). Embora tenha sua contribuição para a libertação, essa não foi uma grande abolição, visto que já havia um significativo contingente de libertos e que ainda restaram escravizados após 1884, conforme evidenciam, por exemplo, as pesquisas de Paulo Moreira (2003, p. 173, 180). É importante considerar que os negros: a) pagaram por cerca de 40% das suas cartas de alforrias (MOREIRA, 2003, p. 258), libertando a si e sua família; e b) que a área da Várzea já era um local de batuques, de congregação religiosa e social do grupo negro ao longo de décadas, sendo justo que fosse marcada por essa presença com sua nova denominação de Campos da Redenção, a qual permanece até hoje, quase um século e meio após. Referências CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Ata da Sessão Extraordinária comemorativa da redempção dos escravos do município de Porto Alegre, realizada no dia 07/09/1884. Livro de Ouro , Porto Alegre, p. 2-3, 1884. CORUJA, Antônio Alvares Pereira. Antigualhas: reminiscências de Porto Alegre. Porto Alegre: Cia União de Seguros Gerais, 1983 [1881]. DIAS, Glauco Marcelo Aguilar. Batuques de negros forros em Porto Alegre : um estudo sobre as práticas religiosas de origem africana na década de 1850. 2008. 69 f. Trabalho de Conclusão (Graduação em História) – Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Os cativos e os homens de bem : experiências negras no espaço urbano, Porto Alegre 1858-1888. Porto Alegre: EST Edições, 2003. PORTO ALEGRE, Achylles. História popular de Porto Alegre . Porto Alegre: PMPA: Unidade Editorial, 1994. VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre: toponímia da emancipação negra no Mapa de 1888. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN) , [ S. l .], v. 12, n. 34, p. 182-208, nov. 2020. ISSN 2177-2770. Disponível em: https://abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/1136. Acesso em: 14 dez. 2022. VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre/RS (1800-1970) : geografia histórica da presença negra no espaço urbano. Belo Horizonte: ANPUR, 2021. Disponível em: https://anpur.org.br/territorios-negros-em-porto-alegre-rs-1800-1970. Acesso em: 14 dez. 2022.
- Rua dos Pretos Forros
A Rua dos Pretos Forros pode ser considerada uma das primeiras ruas do Areal da Baronesa. Limite sul deste antigo território negro, essa via compreendia parte da atual Av. Ipiranga, mais precisamente o trecho entre a Av. Praia de Belas (limite oeste da cidade à época) e a Rua 13 de Maio (atual Av. Getúlio Vargas). Já na década de 1870, quando a região do Areal ainda era uma zona de chácaras, tem-se registros de moradores negros na Rua dos Pretos Forros, embora seu traçado apareça pela primeira vez em um mapa apenas em 1881. Em documentação levantada pela pesquisadora Jane Mattos (2000, p. 47), Rafael, homem pardo, de ofício carpinteiro, cita no ano de 1874, a Rua dos Pretos Forros como seu local de moradia, demarcando a existência da via já nessa época. Imortalizada em poema de Athos Damasceno (1944), a Rua dos Pretos Forros aparece relacionada à liberdade e a manifestações religiosas e culturais negras, como o batuque e o quicumbe e seus instrumentos: xequerês e agogôs. O fato de o termo “forro” designar aqueles que haviam conquistado a alforria (liberdade) dá indícios de seus moradores: pessoas negras libertas (ROSA, 2019, p. 92). No Mapa de 1888, a via já aparece nomeada como Rua 28 de Setembro, data da Lei do Ventre Livre. Instituída em 1871, a lei passou a declarar livre todo filho de mulher escravizada nascida a partir daquela data. Esse é um dos raros casos em que a mudança de nomenclatura não apaga o marcador negro; pois altera o nome, mas mantém o sentido de liberdade. Nesse mesmo mapa documento, a Rua 28 de Setembro aparece repleta de construções, sendo a única via, das poucas da área, amplamente ocupada. Em 1892, a Estatística Predial registra a existência de 46 casas térreas, dois sobrados e assobradados (FRANCO, 2006, p. 425), confirmando a elevada densidade populacional apontada pelo Mapa de 1888. Em 1888, simbolicamente ano da abolição da escravidão, o Areal da Baronesa, ainda sem ruas abertas, tem como seus limites nomenclaturas referentes a dois marcos da emancipação negra: ao sul, Rua 28 de Setembro e à leste, Rua 13 de Maio (data da abolição da escravidão). Por seu significado histórico, essas são consideradas toponímias (nome do lugar) da emancipação negra (VIEIRA, 2020). Nas décadas de 1930/1940 essas vias foram renomeadas para Av. Ipiranga e Av. Getúlio Vargas, perdendo seu sentido relacionado à população negra. A data de 28 de setembro tornou-se amplamente comemorada pela população negra da cidade devido à tamanha importância da Lei do Ventre Livre para esse grupo. Entre o final do século XIX e o início do século XX, a Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora promove grandes festejos para celebrar a “gloriosa data”. Nessa virada de século, o 28 de setembro é destaque também nas páginas do jornal O Exemplo , periódico negro que tece saudações a esse marco histórico, assim como críticas. Referências FERREIRA, Athos Damasceno. Poemas da minha cidade . 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1944. FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre : guia histórico. 4. ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2006. MATTOS, Jane Rocha de. Que arraial que nada, aquilo lá é um areal : o Areal da Baronesa: imaginário e história (1879-1921). 2000. 158 f. Dissertação (Mestrado em História do Brasil) – Programa de Pós-graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2000. ROSA, Marcus Vinicius de Freitas. Além da invisibilidade : história social do racismo em Porto Alegre durante o pós-abolição. Porto Alegre: EST Edições, 2019. VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre: toponímia da emancipação negra no Mapa de 1888. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN) , [ S. l. ], v. 12, n. 34, p. 182-208, nov. 2020. ISSN 2177-2770. Disponível em: https://abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/1136. Acesso em: 14 dez. 2022. VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre/RS (1800-1970) : geografia histórica da presença negra no espaço urbano. Belo Horizonte: ANPUR, 2021. Disponível em: https://anpur.org.br/territorios-negros-em-porto-alegre-rs-1800-1970. Acesso em: 14 dez. 2022.
- Adão Alves de Oliveira
C onhecido como Lelé, alcunha que tem sua origem nos campos de futebol, integrou alguns times como o do Força e Luz. Recebeu o título de majestade do carnaval do antigo território do Areal da Baronesa, onde nasceu em 1925 e morou parte de sua vida adulta. O Areal da Baronesa foi um dos espaços de vivência do carnaval popular e negro da cidade de Porto Alegre nas primeiras cinco décadas do século XX. Cordões, blocos e grupos circulavam nas ruas das famosas avenidas. O título de primeiro Rei Momo Negro do Areal da Baronesa concedido a Lelé partiu da proposição de Arlindo Rosa. Seu reinado perdurou entre os anos de 1948 e 1952. Nas décadas posteriores, desfilava nos carros alegóricos de escolas de samba como um rei africano se vinculando a uma origem africana e aos seus antepassados. Neste sentido, a Etiópia era evocada por Lelé (entrevista em 1991) na abertura dos festejos de momo com a frase “Povo, povo do meu reinado, é com grande satisfação, [...] nem energia para vir lá da minha Etiópia para abrir o Carnaval aqui no Brasil”. Lelé foi Remelexo e esteve à frente dos cordões carnavalescos Ideal e Filhos da Pátria. Além de jogador, trabalhou também como porteiro de teatro atuando em algumas peças. Trabalhou no Banco Nacional do Comércio juntamente com Vicente Rao e na Livraria do Globo. Faleceu no ano de 2013. Bibliografia: Entrevista com Adão Alves de Oliveira (Lelé). Pesquisa “Carnavais de Porto Alegre”. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Museu Joaquim José Felizardo. Ano 1991. Santos, Irene (org.). Negro em Preto e Branco: História Fotográfica da População Negra de Porto Alegre. 2005.
- Adelina Lydia Bittencourt
N asceu em 06 de dezembro de 1870, em Porto Alegre. Filha caçula do primeiro matrimônio de Aurélio Viríssimo de Bittencourt e Joanna Joaquina de Bittencourt, tendo como irmãos Aurélio Júnior, que atuou como juiz em Porto Alegre, e Sérgio de Bittencourt, um dos fundadores do jornal O Exemplo. A formação para normalista (professora) de Adelina Lydia inicia-se no ano de 1886. O jornal A Federação faz referência a Adelina como estudante, provavelmente, uma das únicas estudantes negras da Escola Normal. Neste curso para a preparação de professoras, foi aprovada com distinção nas disciplinas de música e canto. Sua formatura ocorreu no ano de 1888 com uma premiação por destaque em várias disciplinas. Com 27 anos, em 29 de maio de 1897, se casa na Igreja Nossa Senhora da Madre de Deus com Júlio Jose Machado, funcionário municipal. Em janeiro de 1900, Adelina já atuava na Escola Complementar em turmas somente para meninas. No ano de 1902, nasce Celina sua primeira filha. Posteriormente, em 1906, surge novamente nas páginas do jornal A Federação , como uma das regentes da Escola Complementar onde lecionou sete anos. Já em 1910, ministrava aulas para turmas mistas, de meninos e meninas. Nos anos seguintes, surge nas colunas sociais do referido jornal, sempre na data de seu aniversário. Em dezembro de 1925, faleceu durante seu discurso no Colégio 13 de Maio. Após a sua morte, em janeiro de 1926, no obituário de O Exemplo , jornal da imprensa negra, é destacada a trajetória de Adelyna, mulher negra e professora nas primeiras décadas do século XX. [...] De gênio afável e comunicativo, o trespasse dessa professora repercutiu consternadora mente no círculo de suas relações, tanto mais quanto bem triste foi o seu falecimento: escolhida pelas suas alunas para paraninfar a turma daquelas que, no ano findo, concluíram o curso elementar no Colégio 13 de Maio, cerimônia efetuada na manhã daquele dia, a professora Adelina proferiu, então, eloquente discurso, repleto de conselhos e ensinamentos e, após concluir a leitura do mesmo, passados poucos minutos, sentindo-se repentinamente mal, tombou ao solo, já morta, pouco depois das 9 horas da manhã. Na manhã de 21, em meio de enorme assistência, tiveram lugar as cerimônias fúnebres de encomendação e sepultamento, na carneira nº 279 do cemitério de S. Miguel e Almas. Avultadíssimo número de coroas e buquês cobriam o ataúde, vendo-se sobre o mesmo o estandarte do Colégio 13 de Maio envolto em crepe. Antes da inumação, falou, no cemitério, a diretora daquela casa de ensino, professora Luiza Wiedmann Borges Fortes e que proferiu sentida oração, apresentando despedidas a leal companheira que tombara no desempenho e no cumprimento de seu dever (O EXEMPLO, 1926). Bibliografia: MATTOS, Jane Rocha. Texto apresentado IHGRS. Jornal O Exemplo. Janeiro de 1926. Jornal A Federação.
- Aurélio Viríssimo de Bittencourt
A urélio Viríssimo de Bittencourt nasceu em 1º de outubro de 1849, em Jaguarão, filho da parda Maria Julia da Silva, uma escravizada liberta, e do piloto da Marinha Hypólito Simas de Bittencourt. Venho morar em Porto Alegre logo após a mãe falecer, com sua tia paterna Leocádia. Casou se com Joana Joaquina do Nascimento (1838 - 1895) no dia 26 de dezembro e teve dois filhos, Sérgio Aurélio de Bittencourt, que nasceu no dia 07 de outubro de 1869 e faleceu no dia 05 de novembro de 1904, e Aurélio Viríssimo de Bittencourt Júnior, nascido em 28 de fevereiro de 1874 e falecido no dia 30 de julho de 1910, aos 36 anos. Resgatando o momento em que surge o periódico O Exemplo , ele preenchia o cargo de Secretário da Presidência do Estado, sempre lembrado por contribuir com a criação e, também, manutenção do periódico para estabilidade financeira. Bittencourt iniciou a vida na capital como aprendiz de tipógrafo. Nesta fase, percorreu diversos espaços associativos de Porto Alegre e era considerado um menino instruído. Também trabalhou como escrivão e prior do Divino Espírito Santo e das Irmandades do Rosário. Ainda na juventude, dedicou-se ao serviço público, onde se tornou uma referência importante na administração do Estado. Foi Secretário da Presidência do Estado, nomeado em 17 de junho de 1892, e trabalhou com Júlio Prates de Castilhos no Palácio do Governo do Rio Grande do Sul. Como Bittencourt integrava a direção do Centro Abolicionista, provavelmente já conhecia Júlio de Castilhos, antes mesmo dessa função como seu secretário. Integrou também a direção do Centro Abolicionista o que, provavelmente, ajudou em sua história, contribuindo para sua escolha para o governo por Júlio de Castilhos. Bittencourt e Júlio de Castilho participaram ativamente do processo abolicionista no Rio Grande do Sul. Bittencourt tinha trânsito intenso entre a elite intelectual e política de Porto Alegre e, também, nos espaços negros. Tanto que era considerado pelos membros do jornal O Exemplo como um grande mestre. Em 13 de maio de 1904, o periódico o destaca como o segundo maior atleta na luta pela conquista “de nossos direitos civis e políticos” (dos negros em Porto Alegre). Aurélio nunca deixou de circular no meio da comunidade negra, sempre mantendo-se seguro e influente com a população negra, tanto no campo religioso quanto político da cidade de Porto Alegre. Bittencourt mantinha uma boa relação com vários setores da sociedade e ativa sociabilidade. Com seu prestígio e experiência, foi muito influente na redação do jornal O Exemplo , que passou a ser um veículo direcionado para a defesa das convicções republicanas, principalmente a partir do século XX. Destacou-se no combate ao preconceito existente na capital. Declarva-se pardo e seus escritos demonstram que percebia as diferenças entre os dois mundos em que vivia, entre o povo e a elite, mas nunca abdicou de se destacar como homem negro, intelectual e abolicionista, mesmo dizendo-se das dificuldades em ressaltar essas características. Em sua morte, Aurélio foi homenageado com palavras de saudações que previam a falta que faria ao serviço público e privado. Referências BITTENCOURT, Dario De. Curriculum Vitae–Documentário (1901/1957). Porto Alegre: Ética Impressora Ltda, 1958. SANTOS, José Antônio dos. . Estratégias étnicas e trajetórias de intelectuais negros.. In: VI Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, 2013, Florianópolis - SC. Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Florianópolis: UFSC, 2013. v. 01. p. 68-68. Al-Alam, C. C., Pinto, N. G., & Moreira, P. R. S. (2016). Simão Vergara e Maria Tereza da Cunha, o casal de pretos forros da tasca da Boa Vista: Africanidade, matrimônio e comunidade numa sociedade escravista (Pelotas, RS, século XIX). Revista Brasileira De História &Amp; Ciências Sociais , 8 (15), 125–153. MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. O Aurélio Era Preto: Trabalho, Associativismo E Capital Relacional Na Trajetória De Um Homem Pardo No Brasil Imperial E Republicano. Estudos Ibero-Americanos , Porto Alegre, v. 40, n. 1, 2014. PERUSSATTO, Melina. Arautos da liberdade: educação, trabalho e cidadania no pós abolição a partir do jornal O Exemplo de Porto Alegre (1892-1911) . 2018. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.