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Ilhota

Atualizado: 24 de jul. de 2023



Figura 1: Mapa Ilhota, Porto Alegre/RS – 1916

Fonte: Elaboração de Daniele Machado Vieira sobre Mapa de Porto Alegre/RS 1916 (IHGRGS, 2005)


Figura 2: Ponte sobre o Arroio Dilúvio com a Ilhota ao fundo

Fonte: Acervo Fototeca Sioma Breitman – Museu Joaquim José Felizardo


Circundada pelo Arroio Dilúvio, a Ilhota era uma pequena porção de terra existente na parte sul do bairro Cidade Baixa, mais especificamente, onde hoje estão o Ginásio Tesourinha, o Centro Municipal de Cultura e a atual Vila Lupicínio Rodrigues. Contígua ao Areal da Baronesa, a Ilhota tinha como limites, em sua configuração inicial, as antigas rua 13 de Maio (atual av. Getúlio Vargas) e rua Arlindo (atual av. Érico Veríssimo), a oeste e a leste; a Praça Garibaldi ao norte e a rua 17 de Junho (antiga Rua dos Coqueiros) ao sul (SANTOS, 2010, p. 36).


A configuração da área da Ilhota, sua origem e desmantelamento, está relacionada ao Arroio Dilúvio, um dos principais cursos d'água da cidade. A origem da Ilhota remonta ao ano de 1905 (FRANCO, 2006, p. 208), quando duas pontas do meandro (grande curva) do mesmo (situado ao sul da Praça Garibaldi) se uniam, formando uma pequena ilha em seu interior, chamada de Ilhota. Ainda não canalizado, o Arroio Dilúvio cruzava a cidade no sentido leste-oeste, adentrando a Cidade Baixa, para então desaguar no Guaíba, passando através da Ponte de Pedra. Logo após a Ponte da Azenha, o Dilúvio formava essa grande volta e seu curso seguia paralelo à atual rua João Alfredo (rua da Margem, à época, por ser a margem do Riachinho) até chegar à ponte antiga do atual Largo dos Açorianos.

Embora fechada em 1905, no Mapa de 1906 a Ilhota ainda aparece com o meandro aberto - somente uma década depois, no Mapa de 1916 é que a vila será apresentada com a configuração que a consagrou: uma ilha dentro da cidade. A rua Ilhota e a travessa Batista, futuras vias, já estavam traçadas. Para se ter uma ideia do crescimento do local e da quantidade de famílias residentes na área, no ano de 1946 foram catalogadas 77 construções, 62 prédios na rua Ilhota e 15 na travessa Batista, conforme levantado por Franco (2006, p. 208), a partir do Decreto Municipal n.º 333.

Zona empobrecida, habitada por uma população majoritariamente negra, a Ilhota ficou imortalizada nas crônicas de carnaval e batuque, na memória e nos sambas saudosistas da cidade como zona boêmia, berço do samba, sendo lembrada especialmente por Lupicínio Rodrigues (1914-1974), seu ilustre morador. Nascido na Ilhota, com família residente na travessa Batista, Lupi, como era carinhosamente chamado, foi cantor e compositor, que com seus sambas conquistou projeção nacional. Muitos carnavais tiveram sua construção na área e entorno, como os blocos que saíam da Praça Garibaldi, contígua à Ilhota, e tinham como participantes ou organizadores foliões da mesma (GERMANO, 1999).


Em suas lembranças dona Isaura, moradora na década de 1940, rememora o local: “a Ilhota que eu conheci era um corredor de casas, ou seja, uma casa do lado da outra. A mais bonita pertencia à família do Lupicínio Rodrigues” (SANTOS, 2010. pp. 36-37). Mestre Borel (2010), antigo e renomado alabê (tamboreiro) da cidade, importante figura das religiões de matriz africana, em suas lembranças, reconstrói mais um pouco da paisagem da área, lembrando dos pontilhões (pontes) de madeira (sobre o Arroio Dilúvio) que faziam a ligação da Ilhota com o entorno. Em sua fala ele também relembra os antigos batuqueiros da região, junto com o Areal da Baronesa, rua Cabo Rocha, estendendo-se para a região do bairro Santana.

Assim como vários outros núcleos de família de baixa renda, a Ilhota era composta por gente simples, com ofícios relacionados ao trabalho doméstico e à prestação de serviços, como lavadeiras, cozinheiras etc. A solidariedade entre a vizinhança é uma marca ressaltada nas lembranças:

A gente se ajudava mutuamente, principalmente as mulheres. Cuidávamos dos lavados enquanto uma ou outra lavadeira saía para fazer as entregas ou busca de roupas. Controlávamos as crianças para que não ficassem soltas na rua e por vezes cedíamos alimentos para aquelas famílias que se apertavam por falta de dinheiro, principalmente no final do mês (SANTOS, 2010, p. 45).


Zona que sofria com as constantes cheias do Arroio Dilúvio, a Ilhota tem seu desaparecimento relacionado à canalização do Riachinho, nome dado ao Dilúvio na região da Cidade Baixa. Após a grande enchente de 1941, o Arroio Dilúvio começou a ser canalizado, tendo o trecho final de seu curso retificado para que passasse a correr retilíneo até a av. Praia de Belas, limite junto ao rio na cidade da época, antes do aterramento. A obra faz desaparecer os braços do Arroio que circundava a Ilhota, dando fim também às cheias e alagamentos. A Ilhota se expandiu até as proximidades da Rua Lima e Silva. Contígua ao Centro, a área passa a ser alvo do poder público e do mercado imobiliário, provocando uma brutal remoção da população residente no final dos anos 1960. Aqueles que não conseguiram residência em outro local foram removidos e, junto com moradores de outros espaços empobrecidos deram origem ao atual bairro Restinga - à vida na periferia longínqua. Localizada no extremo sul da cidade, distante cerca de 20 quilômetros, em 1968/1969, época da remoção, a área da Restinga não contava com a infraestrutura mínima, como água, luz, escola, para receber famílias e suas moradias, o que não impediu a remoção de diversas famílias para lá.

Referências


BOREL, Mestre (Walter Calixto Ferreira). Mestre Borel: a ancestralidade negra em Porto Alegre. Direção: Anelise Gutterres. Porto Alegre: Ocuspocus Imagens, 2010. 54 min. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ftjdoUEC4b0. Acesso em: 12 out. 2016.

FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. 4. ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2006.

GERMANO, Iris Graciela. Rio Grande do Sul, Brasil e Etiópia: os negros e o carnaval de Porto Alegre nas décadas de 1930 e 40. 1999. 275 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999.

SANTOS, Irene (coord.) et al. Colonos e Quilombolas: memória fotográfica das colônias africanas de Porto Alegre. Porto Alegre: [s. n.], 2010.


VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre/RS (1800-1970): geografia histórica da presença negra no espaço urbano. Belo Horizonte: ANPUR, 2021. Disponível em: https://anpur.org.br/territorios-negros-em-porto-alegre-rs-1800-1970. Acesso em: 25 jan. 2023.





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