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Praça da Alfândega (Largo da Quitanda)

Atualizado: 19 de set. de 2023





O espaço da Praça da Alfândega é oficialmente reconhecido como ponto inicial de Porto Alegre. Sua utilização começa em 1772, quando a cidade ainda era nomeada como Porto São Francisco dos Casais. Foi neste local que se estabeleceram os primeiros passos da cidade, contando com forte circulação de pessoas negras, que ali desempenhavam diferentes ofícios. Uma das formas de uso deste espaço veio a consolidar sua nomeação enquanto Largo da Quitanda, o primeiro mercado de Porto Alegre, marcado pela forte presença do trabalho de mulheres negras, que passaram a ser chamadas de quitandeiras, ali desenvolviam o comércio de uma variada gama de produtos, sobretudo alimentícios, e foram responsáveis pela construção da cidade em seus aspectos econômicos e sociais.


A consolidação do Largo da Quitanda enquanto principal espaço de comércio da cidade, expressa a continuidade da tradição da Kitanda, palavra bantu, que remete às práticas de comércio ao ar livre, em formato de tabuleiro, presente na Costa da Mina, região litorânea de onde vieram para o Brasil grandes grupos africanos no contexto diaspórico. Em território africano, o comércio de tabuleiro apresentava especialização por parte das comerciantes. Já no contexto brasileiro, as quitandeiras são reconhecidas pela variada gama de produtos oferecidos.


Por meio desta forma de organização, as quitandeiras possibilitaram para a comunidade negra a construção de laços associativos oriundos da troca de experiências comuns entre trabalhadores, tanto livres quanto escravizados. Isso fez com que negros e negras passassem a enxergar o Largo da Quitanda enquanto um local de referência socioespacial e de pertencimento junto à cidade.


Era neste espaço que se abastecia o comércio de porta, muitas vezes realizado por escravos de ganho. Também neste local operava o porto fluvial da cidade, que tinha na sua estrutura muitos sujeitos negros desenvolvendo funções básicas para o bom funcionamento e crescimento da economia da cidade, como movimentações de produtos para dentro e fora das embarcações que ancoravam ali.


Ainda na primeira metade do século XIX, a população negra passou a ser retirada do local por meio de articulações da classe dominante, que visavam estruturar mudanças materiais e simbólicas na cidade. Com o intuito de invisibilizar a presença negra, o Estado passa a organizar estratégias políticas de gentrificação, que geram tensionamentos nas relações raciais e afetam diretamente as dinâmicas que possibilitaram o fortalecimento da comunidade negra neste espaço. E é assim que na década de 1820, em razão do aumento do prédio da alfândega, o comércio das quitandas é direcionado para a Praça Paraíso, atual praça XV de Novembro, e apenas em meados da década de 1840 é construído um espaço dedicado a abrigar o comércio. Na década de 1860, com a criação do Mercado Público, as quitandas perdem espaço no centro da cidade e se espalham para outros locais.


O estado do Rio Grande do Sul foi fortemente influenciado pela linha política do positivismo e, historicamente, buscou fortalecer a ideia de que o desenvolvimento econômico, social e político do estado é obra exclusiva de imigrantes europeus, sobretudo italianos e alemães. Os prédios da Delegacia Fiscal e do Correios e Telégrafos, atualmente ocupados respectivamente pelas instituições Museu de Arte do Rio Grande do Sul e Memorial do Rio Grande do Sul, foram construídos na segunda década do século XX, entre os anos de 1910-1914 e expressam em sua arquitetura o projeto positivista de embranquecimento material e imaterial da cidade de Porto Alegre. Com o fortalecimento das políticas de imigração europeia, visando uma mudança nas relações de trabalho, a praça passa a ser visada enquanto cartão postal da cidade, um convite aos imigrantes europeus. As mudanças, que passaram a ocorrer no local, sobretudo na primeira metade do século XX, buscavam paralelamente uma alteração da paisagem e das dinâmicas sociais.


Houve e ainda há resistência a estas medidas de gentrificação e apagamento da memória negra, por meio de articulações centradas na construção de narrativas que apontem para além da invisibilidade imposta pelo protagonismo de nosso povo na história desta cidade e do estado como um todo. Neste sentido, em 2011 foi inaugurada na Praça da Alfândega a obra Pegada Africana, que faz parte do “Museu de percurso do Negro” e foi incorporada ao projeto “Territórios Negros: Afro-brasileiros em Porto Alegre”. Estas iniciativas são frutos da organização política do movimento social negro, que desempenha papel fundamental no processo que leva a ativação da memória da praça enquanto um território também marcado pela presença do povo negro porto-alegrense.






Referências

ROSA, Marcus Vinicius. Além da invisibilidade: história social do racismo em Porto Alegre durante o pós-abolição (1884- 1918). Porto Alegre: EST Edições, 2019.


SOARES, Karitha Regina. Da forca ao tambor: o museu de percurso como reconhecimento histórico da presença do negro na formação da cidade de Porto Alegre. 2017. Trabalho de conclusão de graduação (Licenciatura em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/170490. Acesso em: 08/05/2023.


VIEIRA, Daniele Machado. Territórios negros em Porto Alegre/RS (1800 – 1970):

Geografia histórica da presença negra no espaço urbano. Porto Alegre: UFRGS,

2017.



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