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QUITANDEIRAS

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Quando se pensa nas quitandeiras ou nas assim também chamadas negras minas que percorriam os centros das cidades e vilas do Brasil nos séculos XVIII e XIX - aquelas mulheres negras carregando sobre a cabeça alimentos e quitutes em seus tabuleiros - é comum imaginá-las como personagens por certo um lado romantizadas, numa cena cotidiana do nosso país dos períodos colonial e imperial.


No entanto, transitar por ruas, becos e vielas vendendo alimentos no espaço público era uma prática ressignificada de uma tradição legada às mulheres em especial nas regiões centrais e da costa oeste do continente africano. 


A atividade de “ganhadeiras” era natural às negras traficadas, como destaca a pesquisadora Juliana Bonomo, pois, nas sociedades africanas, as tarefas de subsistência doméstica e circulação de gêneros eram delegadas às mulheres.


Numa grande extensão da costa da África, o pequeno comércio era tarefa feminina e lhes garantia papéis econômicos importantes.


Também atravessou o atlântico nos tumbeiros (nome que se dava aos navios negreiros) a palavra e o conceito “quitanda” – kitânda (com a letra k) no dialeto quimbundo de Angola, dialeto este que plantou raízes na cultura brasileira. 


A “quitanda significa aquelas coisas que as negras levavam nos tabuleiros para expor as mercadorias que tinham. Normalmente gêneros alimentícios tais como aguardente, bolos, leite, broas, biscoitos e fumos” (refere Juliana Bonomo). 


Assim, a realidade social encontrada no Brasil estimulou a volta de antigos conhecimentos permitindo a interação necessária para lidar com as relações sociais no novo mundo. 


As quitandeiras tornaram-se figuras necessárias numa configuração social de desenvolvimento urbano em que uma multidão de pobres, escravizados, forros e outros ganharam as ruas das cidades rompendo com a prática de se alimentar no espaço doméstico. 


Tal situação tornou o ato de fornecer alimentos de maneira ambulante no espaço público uma atividade econômica necessária e importante. 


Esse comércio, que era visto nos centros urbanos do país, foi relatado como existente em Porto Alegre, no ano de 1821, pelo naturalista e botânico francês Auguste Saint-Hilaire. 


“É na Rua da Praia, próximo ao cais, que fica o mercado. Nele vendem-se laranjas, amendoim, carne seca, molhos de lenha e de hortaliças, principalmente couve. Como no Rio de Janeiro, os vendedores são negros,” - registrou o botânico.


O cronista Achylles Porto Alegre descreve o périplo das quitandeiras pelas ruas e espaços da capital gaúcha e a venda de alimentos também na porta de suas casas.


Essas trabalhadoras eram chamadas pelo cronista de quitandeiras negras mina. O termo mina - para Eliana Xavier e Gláucia Fontoura - era utilizado pelo colonizador para denominar grandes áreas africanas de tráfico de escravos, como Angola, Congo, Benguela, entre outras, e acabou sendo incorporado pelos brasileiros como autodesignação de um certo grupo de negros. 


Muito importante é destacar que cerca de 70% dessas mulheres - as quitandeiras - conseguiram juntar pecúlio suficiente para abandonar a situação de escravizadas e garantir sua sobrevivência e a de sua família.


Outras atividades a que essas mulheres se entregavam quando podiam era o trabalho de lavadeiras, engomadeiras e, em especial para o imaginário popular de longa duração no tempo, também às funções de curandeiras, feiticeiras e vendedoras de ervanários. 


A presença dessas mulheres no cenário urbano da capital demarcaram lugares importantes para o sentimento de territorialidade negra, como é o caso do Largo da Quitanda (a hoje popular Praça da Alfândega) e nas bordas da Colônia Africana (no Parque da Redenção).


A memória da quitanda continua viva e marcante, por exemplo, no maior monumento negro do Centro Histórico – o Mercado Público – que para os babalaorixás e yalorixás guarda em seus quatro portais de entrada a presença de floras que cristalizam a prática de venda de ervanários, uma marca de todas as entradas daquele prédio significativo para a memória negra em Porto Alegre.


Referências:



  • PORTO ALEGRE, Achilles. História Popular de Porto Alegre. Porto Alegre: PMPA – Unidade Editorial, 1994.


  • SAINT-HILLAIRE, Auguste de. A Viagem ao Rio Grande do Sul: 1820-1821. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1939.


  • VARGAS, Pedro Rubens N. Ferreira. A relação patrimonial na restauração de bens culturais: o mercado de Porto Alegre e os caminhos invisíveis do negro. Curitiba: Appris, 2017.


  • VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre (1800-1970). São Paulo: Hucitec, 2021.


XAVIER, Eliana Costa e FONTOURA, Maria Dias. O sentido de trabalho para as mulheres negras. (PDF) Negras Minas: o sentido do trabalho para as mulheres negras. Disponível em: 03/04/2025

 
 
 

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16 de out.
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Parabéns prof. Pedro, exclente texto.

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