TRIBOS CARNAVALESCAS
- Jonas Silveira da Silva

- 10 de out.
- 3 min de leitura

As tribos carnavalescas de Porto Alegre representam uma das tradições mais emblemáticas e originais do carnaval gaúcho, sendo uma fusão das influências indígenas e afro-brasileiras que resulta em uma identidade única.
Surgidas entre as décadas de 1940 e 1950, essas tribos ofereceram uma alternativa opular ao carnaval elitizado dos salões, destacando-se inicialmente no carnaval de rua. Criadas por moradores da periferia, elas refletiam a busca por um espaço de pertencimento e a afirmação cultural, num contexto em que o poder público incentivava os “carnavais de bairro”, festas comunitárias que reuniam as pessoas em torno de blocos e escolas de samba.
O contexto histórico do surgimento das tribos está diretamente relacionado ao processo de busca por uma identidade nacional nos anos 1930 e 1940, período em que o indígena passou a ser simbolicamente associado à brasilidade.
Inspirados por essa construção de identidade, as tribos surgiram nas áreas periféricas de Porto Alegre como uma forma de se contrapor ao carnaval sofisticado e restrito aos clubes da elite, nos quais os mais pobres não tinham acesso.
Ao longo dos anos, essas manifestações se consolidaram como um símbolo de resistência e de valorização da cultura popular que passou a ter um espaço de expressão nas avenidas do carnaval oficial da cidade, onde foi criada uma premiação especial para as tribos.
"Os Comanches" e "Os Guaianazes" - denominação dos grupos mais premiados - distinguiam-se pelas fantasias que remetiam ao universo indígena, particularmente ao dos
norte-americanos, uma provável influência da visão indígena da época, quando no cinema e na televisão predominavam os filmes em torno da ocupação do Oeste americano.
No entanto, essas tribos não se limitavam a imitar ou reproduzir aquelas figuras da estética indígena dos filmes de cowboy. Era evidente a incorporação também de diversos elementos da cultura afro-brasileira, criando deste modo uma representação única e multifacetada para identidade popular.
O “índígena guerreiro” era a figura central nas fantasias e nos desfiles, não apenas como um símbolo de força e coragem, mas como uma forma de afirmar o pertencimento e a identidade da comunidade que participa da festa.
Um dos momentos mais emblemáticos do carnaval das tribos dava-se no “jogo da guerra”,
uma competição simbólica e carregada de rituais entre as tribos, especialmente entre "Os
Comanches" e "Os Guaianazes".
Tal disputa ia além da rivalidade. Era uma celebração da identidade e da criatividade dos participantes, expressa na síntese entre fantasias, danças e músicas. O jogo acontecia não apenas na avenida dos desfiles carnavalescos, mas também em um espaço simbólico onde a rivalidade misturava-se com respeito e cooperação.
As fantasias, criadas de forma colaborativa, tinham a contribuição fundamental das mulheres e de diversos artistas visuais do meio popular que desenhavam e construiam suas
as roupas baseadas nos temas do ano. A improvisação era um aspecto crucial desse processo, o que garantia que cada desfile fosse repleto de surpresas e inovações.
Desse modo, é possível afirmar que a identidade das tribos carnavalescas de Porto Alegre é fluida e dinâmica, construída no próprio processo criativo do carnaval. As danças, os ritmos e as interações entre os membros das tribos formavam o tecido dessa identidade, que transcendia a ideia fixa do "índígena" ou "afrodescendente".
Embora as tribos carnavalescas de Porto Alegre tenham reduzido sua popularidade e presença no carnaval da cidade no período mais recente, havendo apenas duas ainda ativas - justamente as tradicionais "Os Comanches" e "Os Guaianazes" - elas continuam a
representar uma forma de resistência e preservação da cultura popular e uma marca totalmente original no carnaval porto-alegrense em comparação com o restante do país..
Mesmo com o crescimento das escolas de samba a partir da década de 1970, as tribos mantiveram-se vivas na tradição do carnaval de rua, colocando-se como espaços de reinvenção cultural.
Ainda na atualidade, em que pese de forma mais residual, essas entidades como importantes símbolos de pertencimento e resistência, onde a disputa simbólica do “jogo da guerra” é transformada em um ritual de criatividade e luta por diversidade, representatividade social e cultural das periferias na grande cidade. As tribos foram sempre uma alternativa popular ao carnaval elitizado e continuam a ser um exemplo de expressão da cultura de rua em Porto Alegre, uma evidência das raízes populares e da riqueza cultural dessas origens.
Referências:
Moura de Quadros. O batuque do Rio Grande do Sul representado em dois contos de Maria Helena Vargas da Silveira (1940-2009). Revista de Letras 22.38 (2020).
Édson Luís Dutra. Escola de samba na mídia: a cobertura do carnaval de Porto Alegre nos jornais Correio do Povo e Zero Hora entre 2001 e 2005. MS thesis. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2023.
Luiza Dias Flores. As invenções da guerra: reflexões sobre um jogo carnavalesco. Novos Cadernos NAEA 22.1 (2019).
Diversas reportagens de Zero Hora e RBS TV disponíevis nas redes sociais:
LINK:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2020/02/tribos-indigenas-marcaram-e poca-na-folia-em-porto-alegre-ck6qujfrd0hqm01mvzcoyqc9s.html




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