A 1ª etapa do projeto foi realizada com recursos do Pró-Cultura - Edital de Patrimônio Cultural FAC/RS - Fundo de Apoio à Cultura - SEDAC/RS. A 2ª etapa do Inventário está sendo realizada com recursos da Lei Paulo Gustavo - Lei Complementar nº 195/2022. O Ministério da Cultura e a Secretaria da Cultura do Estado do RS apresentam Memórias Negras em Verbetes: Inventário Participativo de Referências Espaciais, Sociais e Simbólicas

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- Breno Higino Mello
B reno Higino Mello foi jogador e ator, nascido em Porto Alegre em 7 de setembro de 1931. Veio a falecer na mesma cidade, no dia 11 de julho de 2008, deixando cinco filhos e 12 netos. A carreira futebolística de Breno Mello foi marcada pelas passagens pelo Fluminense do Rio de Janeiro e Corinthians (1957). Mello começou no São José, time da capital gaúcha. Logo em seguida transferiu-se para Grêmio Esportivo Renner, onde foi campeão em 1954 desbancando a dupla Gre-Nal, time tradicional do cenário do futebol gaúcho. Uma curiosidade: Breno morou no bairro Niterói, em Canoas, no mesmo período em que Paulo Roberto Falcão e Batista, ambos jogadores que, mais tarde, seriam grandes estrelas do Sport Club Internacional de Porto Alegre. Breno Mello foi ator, ainda quando defendia o Fluminense do Rio. Ele foi descoberto pelo diretor Marcel Camus e acabou atuando como protagonista, interpretando o personagem título do filme, Orfeu , baseado na peça homônima de Vinícius de Moraes. O filme foi rodado em 1959, contou com a trilha refinada de Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Luiz Bonfá e Antônio Maria. O Orfeu do Carnaval ganhou inúmeros prêmios, entre os quais a Palma de Ouro em Cannes, em 1959, o Globo de Ouro e o Oscar de filme estrangeiro em 1960. Breno Mello ainda jogaria por mais um tempo no Santos de Pelé. Reza uma lenda que Mello teria pago vários almoços para rei devido ao seu “pão durismo”, mas acabou decidindo continuar na carreira no cinema. Participou nas seguintes produções além de Orfeu : Os Vencidos (1963), Rata de Puerto , também de 1963, e O Santo Módico (1964). Em 1973, participa do filme Negrinho do Pastoreio (dirigido por Nico Fagundes) ao lado de Grande Othelo e, em 1988, participa da produção Prisioneiro do Rio . Uma curiosidade acerca do nome de Breno Mello e do ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Essa curiosidade foi especulada pelo escritor Fernando Jorge em seu livro Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido . Segundo Fernando Jorge, a mãe do ex-presidente, a antropóloga Stanley Ann Dunham, quando assistiu ao filme Orfeu , teria ficado maravilhada com o seu primeiro filme estrangeiro e se apaixonou pelo ator Brenno Mello. Quando conheceu Barack Hussein Obama, pai do ex-presidente, ela o teria achado parecido com Mello. Ficaram casados por 23 anos. Referências BERTONI, Estêvão. Orfeu foi negro e jogador de futebol. Folha de S. Paulo , São Paulo, 15 jul. 2008. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1507200816.htm . Acesso em: 23 de maio. 2023. BRENO Mello. In : WIKIPEDIA: the free encyclopedia . [S. l. ], 20 nov. 2022. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Breno_Mello . Acesso em: 23 de maio. 2023. BRENO Mello. In : 3º Tempo Uol . [ S. l .], 5 nov. 2018. Disponível em: https://terceirotempo.uol.com.br/que-fim-levou/breno-mello-2458. Acesso em: 23 de maio. 2023. OBAMA é "quase" brasileiro. In: Correio Braziliense. [ S. l. ], 5 jun. 2010. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2010/06/05/interna_diversao_arte,196187/obama-e-quase-brasileiro.shtml. Acesso em: 23 de maio. 2023.
- Dario de Bittencourt
N ascido a 7 de fevereiro de 1901, filho de Maria da Glória Quilião de Bittencourt e Aurélio Viríssimo de Bittencourt Júnior, foi criado pelo seu avô, Aurélio de Bittencourt, após a morte de seu pai, em 1910. Dario de Bittencourt expôs em sua autobiografia nunca mais ter se encontrado com a mãe. Em uma passagem no jornal O Exemplo , Dario foi lembrado como “o futuro menino Dario, filho do nosso amigo Dr. Aurélio Júnior” pelos redatores de O Exemplo . Ele estudou no Ginásio Nossa Senhora da Conceição e bacharelou-se em Direito, porém pela Faculdade Livre, fundada em Porto Alegre com o auxílio de seu pai. Ganhou algumas premiações no Ginásio Nossa Senhora da Conceição pelo belo desempenho. Passou a acessar o Ginásio Anchieta em Porto Alegre no final 1912, assim como o Ginásio Nossa Senhora da Conceição e, recebendo algumas distinções, concluiu o colegial. Dário se preparava desde 1915, realizando exames preparatórios, mas foi somente em 1920 que ele ingressou na Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre. Frequentou o curso de vestibular do Padre Werner, do Ginásio Anchieta, onde fez parte da primeira turma a efetuar a prova. Em 1924, conseguiu se tornar bacharel e, mais tarde, trabalhou como professor nessa mesma instituição. Um pouco antes, em 1918, acessou o curso preparatório do Irmão Weibert, localizado atrás da antiga Catedral Metropolitana. Por ter uma vida um pouco melhor em virtude da respeitabilidade conquistada pelo avô e tutor, obteve acesso a professores particulares de Matemática, Português, Inglês e História Universal. Dario era um homem pardo e destacou o orgulho racial em sua autobiografia, publicada em 1958. Levou uma vida modesta, mas sempre auxiliou para manter o jornal O Exemplo em funcionamento. Ele se manteve firme na tradição que foi criada pelo jornal, que era o combate ao preconceito de cor e a luta pelos direitos da população negra no pós-abolição. Caminhou para a advocacia militante, assim tendo mais recursos para essa luta. Dario circulava pelas organizações negras, fez parte da Sociedade Beneficente Floresta Aurora, fundada em 1872, participou do Conselho Superior da Liga Nacional de Futebol Porto-Alegrense, fundada em 1919, para agregar times compostos com jogadores negros, foi sócio da Sociedade Satélite Porto Alegrense, de 1902, que hoje é conhecida como Satélite Prontidão e, finalmente, fez parte do Grêmio Náutico Marcílio Dias. A sua autodefinição como pardo remetia à situação social e racial intermediária de uma elite negra que procurava ascender e inserir-se socialmente, não apenas em virtude da situação econômica e intelectual, mas sobretudo no sentido de se distinguir da maioria negra, ainda muito vinculada ao período anterior da escravidão. No espaço da religiosidade. Dario de Bittencourt fez parte da secular Irmandade do Divino Espírito Santo, frequentou colégio jesuíta onde teve instrução religiosa nas décadas de 1940 e 1950, fez parte da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, da Confraria de Nossa Senhora da Conceição e da Devoção de São Cristóvão, além de legionário das obras da Catedral Metropolitana e da matriz de São Sebastião. Mesmo convivendo em espaços religiosos eurocidental, também percorreu a sua raiz africana, assim se envolveu com as religiões de matriz africana. Inclusive, a convivência com uma senhora ex-escrava, Senhorinha de Souza, pode ter auxiliado nas opções de Dario tanto no campo intelectual quanto de identificação étnico-racial. Adepta a religião de matriz africana, ela indicou para Dario buscar outro viés de sua vida espiritual que o completasse. Com seu envolvimento com a religião de matriz africana, ele escreveu o artigo “A liberdade religiosa no Brasil: A Macumba e o Batuque em face da lei”, que enviou, em 1937, ao II Congresso Afro-Brasileiro, realizado em Salvador. O objetivo era apresentar o candomblé africano como religião, buscando uma maior aceitação social, desse modo, distanciando da ideia de feitiçaria. Após os anos 1930, Dario frequentou as casas de nação de Mãe Andreza, Andreza Ferreira da Silva e sua filha de sangue e espiritual, Caixinha, Geraldina Alves Ribeiro, de Dona Moça, de Joana do Bará. Mesmo percorrendo vários espaços e quase seguindo a carreira que vários membros do periódico seguiram, sendo funcionário público, ele se aposentou em 1957 como professor catedrático de Direito Internacional Privado da Faculdade de Direito da Universidade do Rio Grande do Sul. Em 1920, Dario passou a fazer parte da direção de O Exemplo , herdando a tradição de seu avô, pai e tio, assumindo um papel de liderança. Segundo ele, reconhecido socialmente como notória e sabidamente mulato, Dario se coloca nas fileiras de organização do jornal no combate ao preconceito de cor até 1930, quando o jornal encerra os seus trabalhos. Referências BITTENCOURT, Dario de. Curriculum vitae–documentário (1901/1957) . Porto Alegre: Ética Impressora Ltda, 1958. PERUSSATTO, Melina Kleinert. Arautos da liberdade: educação, trabalho e cidadania no pós-abolição a partir do jornal O Exemplo de Porto Alegre (c. 1892-c. 1911). 2018. BARRERAS, Maria José Lanziotti. Dario de Bittencourt (1901-1974) : uma incursão pela cultura política autoritária gaúcha. Porto Alegre: Edipucrs, 1998. v. 21.
- Djalma do Alegrete
N ascido com o nome de Djalma Cunha dos Santos, em Alegrete, no Rio Grande do Sul, se autonomeou Djalma do Alegrete para não ser confundido com o ex-jogador de futebol Djalma dos Santos. Ao longo de sua trajetória, conviveu com o prestígio e a marginalidade social, como ele mesmo reconheceu quando disse: “apesar do prestígio que consegui, sou marginal por ser homossexual e negro”, em notícia do O Globo , em 06 de novembro de 1988. Djalma do Alegrete foi multiartista: pintor, decorador, cenógrafo, educador, figurinista e carnavalesco. A partir de 1956 surge como pintor, participando de exposições coletivas e individuais, onde se destaca o IX Salão de Artes Plásticas da Sociedade Xico Lisboa (1958), a coletiva de artistas sul-rio-grandense no Leme Palace Hotel (1968), a mostra individual no Instituto Cultural Brasil – EUA (1962), a Galeria Pancetti (1967) e outras. Estudou artes plásticas e jornalismo, sendo apontado como o primeiro aluno negro do Instituto de Belas Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Para se qualificar como professor, frequentou o curso de didática na Faculdade de Filosofia em 1958. Transitando com desenvoltura nos espaços de sociabilidade negra, marcou presença nos carnavais de rua de Porto Alegre se tornando figurinista destacado, atividade pela qual recebeu diversos prêmios: foi pentacampeão (1959-1963) de vestimentas de blocos carnavalescos. No primeiro ano, venceu com a temática “Civilização Inca”, como consta no livro coordenado por Irene Santos, Negro em Preto e Branco: história fotográfica da população negra em Porto Alegre, onde está reproduzido um croqui elaborado para a “ala dos pajens do maracatu”. Recebeu notoriedade internacional por ter desenhado o traje “Exaltação dos Pampas” usado pela gaúcha Ieda Maria Vargas, vencedora do concurso Miss Universo em 1963, nos Estados Unidos. Como pintor, marcou sua carreira na década de 1960 por ter trabalhos premiados nos Estados Unidos e no Panamá. Passa a viver no Rio de janeiro como uma espécie de refúgio em razão do racismo explícito que vinha acompanhado de seu sucesso profissional, conforme relata o Correio da Manhã, em 23 de junho de 1963: “O figurinista gaúcho Djalma dos Santos, por causa da segregação racial que existe no Rio Grande do Sul (ele é de cor) deixará Porto Alegre em agosto”. Para confirmar a situação, Djalma relata sobre a discriminação sofrida, inclusive recebendo pedradas e humilhações, quando foi professor de artes em uma cidade do interior gaúcho. Em sua percepção, a própria temática que trabalhava no campo das artes: religiões e origens africanas, incluindo lendas negras do afro-brasileiro, não encontrava espaço no seu estado natal. Em vídeo do CULINE (Acervo Digital da Cultura Negra), aparece em uma de suas exposições confirmando que “a cultura afro-brasileira como tema não encontrava nicho no Sul, onde lhe dizem que podia comprometer os comparadores”. Djalma do Alegrete foi ainda educador social no Rio de janeiro, cidade que lhe concedeu o título de Cidadão Emérito, porém não desistiu de Porto Alegre, retornando a capital gaúcha em 1971, vindo a receber mais tarde, a honraria de Cidadão Emérito de Porto Alegre, em 1992. Faleceu em 22 de abril de 1994. Referências: https://www.ufrgs.br/jornal/djalma-do-alegrete-o-marginal-glorificado-do-rio-grande-do-sul/ Disponível em: 26/05/2023 https://www.ufrgs.br/helenadosul/2020/08/djalma-do-alegrete/ Disponível em: 26/052023 https://acervo.cultne.tv/cultura/artes-plasticas/309/artes/video/579/djalma-do-alegrete Disponível em: 09/06/2023 SANTOS, Irene. Negro em Preto e Branco: história fotográfica da população negra em Porto Alegre. Porto Alegre: EST Edições, 2005
- Horacina Correa
C antora e atriz. Nascida em Porto Alegre na década de 1910, sua trajetória está vinculada aos territórios negros da cidade e seus carnavais e, também, às rádios locais. Foi solista do bloco carnavalesco Turunas, originário da Colônia Africana. Nos anos de 1930, já cantava nas rádios Difusora, Gaúcha e Farroupilha. Em 1936, se casou com o músico Oscar Corrêa, sendo a cerimônia de casamento transmitida ao vivo pela Rádio Farroupilha. Era considerada uma das melhores intérpretes de Lupicínio Rodrigues, mas também gravou músicas de Ary Barroso e Noel Rosa. Como atriz, na década de 1940, atuou em alguns filmes dos estúdios Atlântida e Cinelândia ao lado de Oscarito, Nelson Gonçalves e Emilinha Borba. Logo após a projeção internacional, Horacina Corrêa se estabeleceu em definitivo no Egito. Com isso, informações sobre sua trajetória não mais foram obtidas. Referências: HORACINA Corrêa: uma saudade boa de se sentir. In : Beco do Rosário . [ S. l .], 8 mar. 2019. Disponível em: https://becodorosario.wordpress.com/2019/03/08/horacina-correa-uma-saudade-boa-de-se-sentir. Acesso em: 23 abr. 2023.
- Ildefonso da Silva Dias
N asceu em maio de 1880, em Porto Alegre. É filho de Thomaz da Silva Dias e de Josepha Conceição Dias, e irmão de Isaura Dias de Bittencourt e do advogado José Dias. Ingressou no curso de engenharia no ano de 1900, sendo um dos primeiros profissionais negros formados pela Escola de Engenharia, posteriormente, vinculada a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi um dos criadores do Grêmio dos Estudantes da Escola de Engenharia (1903), onde exerceu a vice-presidência. Fez parte do Clube Republicano e da Irmandade Nossa Senhora do Rosário e como os demais membros da família Silva Dias, Ildefonso Dias atuou profissionalmente na Viação Férrea do Rio Grande do Sul, sendo diretor substituto e chefe da Divisão de Estatística durante do governo de Borges de Medeiros dirigindo, assim, vários trabalhos de construção e ramais ferroviários. Sempre referido no jornal O Exemplo como trabalhador dedicado, escreveu durante três décadas publicando vários textos relativos ao espiritismo. Foi redator e publicou a Revista Reencarnação em 1934, e é um dos fundadores da Federação Espírita do Rio Grande do Sul (FERGS) sendo seu presidente em duas gestões. Em julho de 1976, Ildefonso Dias falece de morte natural sem deixar herdeiros. Bibliografia: FERRUGEM, Isabel Cristina. Relatório de Estágio Supervisionado II: Museu Julio de Castilhos, 2013. Jornal O Exemplo.
- Isaura Dias Bittencourt
N eta da africana Maria Conceição, Isaura da Conceição nasceu em 1878, em Porto Alegre. Foi batizada na Igreja Madre de Deus e recebeu somente o sobrenome devocional de sua mãe – Conceição. Com o casamento de seus pais no ano de 1892 (Thomaz da Silva Dias e Josepha Conceição), agregou o sobrenome paterno Da Silva Dias. Primogênita dessa união, teve mais seis irmãos, Ildefonso, Hilda, Thomaz, Clotilde, José e Octávio. Sua família era prosperou economicamente. Essa ascensão econômica dos membros da família Silva Dias deu-se provavelmente a partir dos bens repassados por Maria Conceição a seu filho Thomaz da Silva Dias, homem negro letrado e pequeno comerciante no arraial do Menino Deus, membro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e do Clube Republicano ligado ao Partido Republicano Riograndense (PRR). Os filhos homens acessaram o ensino público e os cursos de engenharia e direito, o que já era raro para uma família negra naquela época. Para as mulheres da família Silva Dias, no entanto, não é possível precisar se receberam alguma instrução. Porém, como a educação era um dos principais objetivos para a comunidade negra de então, é possível que tenham frequentado aulas com professores particulares ou ainda no círculo familiar do marido. Isaura casou-se no ano de 1895, aos 17 anos, com o viúvo Aurélio Viríssimo de Bittencourt, este com 46 anos, tendo seu nome alterado para Isaura Dias de Bittencourt. Presume-se que ela tenha sido apresentada ao futuro esposo pelo pai ou pelos irmãos, visto que conviviam nos mesmos meios culturais, sociais e religiosos. Depois do matrimônio, nos anos posteriores, o jornal A Federação – órgão de imprensa do PRR – veiculou o nome da senhora dona Isaura Dias de Bittencourt ligando-o a várias irmandades religiosas da cidade de Porto Alegre. As irmandades, principalmente a de Nossa Senhora do Rosário, foram espaços importantes no amparo de seus membros durante o período do escravismo e posteriormente a este. Além das alforrias e da assistência médica, constituíram-se como locais de construção das redes de sociabilidade e, também, de ascensão e visibilidade social. Os espaços das irmandades eram frequentados por vários membros da sua família de origem, como Thomaz da Silva Dias e seu padrasto José Justino. Dentro de seus trajetos por estas associações religiosas, Isaura cumpriu diversas funções de destaque, como a de juíza por devoção a São Francisco Xavier, no ano de 1896. No jornal A Federação de 30 de janeiro de 1901, ela aparece nas festividades da Irmandade da Nossa Senhora do Rosário como aia, juntamente com sua mãe, Josepha Conceição. As aias tinham o compromisso de vestir a imagem do santo ou da santa antes do início das novenas, o que somente era dado a pessoas de destaque na sociedade. Em 1915, conforme o referido jornal, ela foi encarregada da novena, ocupando também posições importantes e de relevo dentro das irmandades brancas da cidade. Foi integrante da Irmandade de Nossa Senhora das Dores nos anos de 1916 e 1917 e zeladora nas festividades de Nossa Senhora da Conceição e de Nossa Senhora da Glória. Ainda em 1916, é também aia na Ordem Terceira da Igreja das Dores, irmandade majoritariamente composta pelos brancos da elite citadina. Nas décadas de 1920, registros de sua atuação nas irmandades tornaram-se mais raros, mas seu nome surge novamente no jornal A Federação , na coluna vida social, destacado dos demais com felicitações de aniversário. Outros registros também são evidenciados, como a saída para a cidade de Garibaldi, provavelmente para tratar das frequentes tosses e, também, as contínuas enfermidades (1923) as quais Isaura fora acometida. Isso, até o agravamento do sei quadro de doenças no mês de janeiro de 1925, resultando em seu falecimento em dezembro do mesmo ano, diagnosticada por tuberculose pulmonar. Apesar de sua trajetória e vivência no catolicismo, conforme seu obituário, as cerimônias fúnebres foram realizadas por meio da doutrina espírita solicitada por seu irmão Ildefonso da Silva Dias. Posteriormente, em 1946, um conjunto importante de objetos pessoais seus – sete leques, por exemplo – foram doados ao acervo do Museu Júlio de Castilhos. Sua atuação como mulher negra frente às irmandades católicas negras, pardas e brancas da cidad, evidenciou o seu protagonismo, articulação e visibilidade dentro da sociedade porto-alegrense do pós-abolição. Bibliografia: FERRUGEM, Isabel Cristina. Relatório de Estágio Supervisionado II: Museu Julio de Castilhos, 2013. Jornal A Federação. Jornal O Exemplo.
- J. Altair
J oão Altair de Barros (1934-2013) se tornou J. Altair no universo das artes visuais a partir da década de 1950, quando estudou com o pintor italiano Vicente Perllasca. Altair é, talvez, o único pintor babalorixá no Brasil. Filho de Bará, da nação Yjexá (Ijexá é uma nação africana formada pelos escravizados vindos de ilesa na Nigéria, concentrada nas religiões Batuque e Candomblé, tendo sua base em orunmila-ifá, e seus métodos adivinhatórios dos odú), o artista fez da arte uma profissão de fé. Suas obras remetem a universos de símbolos e cores que plasmam as mitologias da religião dos Iorubás. Sua produção, onde predomina a técnica de acrílico sobre tela, é caracterizada pela intensidade de cores, uma forma de luz que corre por veias ancestrais, por onde se encontram os orixás, suas danças e práticas ritualísticas, ressignificando a herança e o patrimônio negro. J. Altair foi um artista que deixou marcas para além do Rio Grande do Sul. Nas décadas de 1950, 1960 e 1970 militou em vários movimentos de artes plásticas, ocasiões em que realizou diversas exposições em São Paulo. Em Porto Alegre, fez várias exposições individuais e participou de mostras coletivas importantes como o I Salão de Artes Plásticas em 1970, da Galeria Orca-Morganti, em 1971 e da Galeria Ítalo-Belga, em 1972. Na década de 1990, suas obras encontram espaço no Copacabana Palace Hotel e na Galeria Jean Jacques Urca, no Rio de Janeiro. Também possui obras no acervo de diversas instituições, como a Galeria Salomé em New Orleans (EUA), Museu Internacional de Arte Naif (RJ) e coleções privadas entre as quais se destaca a do artista uruguaio Carlos Paez Vilaró. Está presente em Porto Alegre nos acervos do Margs e da Pinacoteca Aldo Locatelli, da Prefeitura de Porto Alegre. Era original e inovador sendo considerado até hoje um mestre na arte naif no Rio Grande do Sul. Suas últimas mostras individuais foram em novembro de 2012 no Espaço IAB e na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Antes de encaminhar a carreira de artista, o mestre era letrista por profissão e ativo nos espaços de sociabilidade negra, sendo um dos fundadores, junto, entre outros, com o músico Giba-Giba da Escola de Samba Praiana. Ainda, segundo Daniela Espíndola, foi um dos fundadores, por um breve tempo, em companhia do Nego Lua, do imagético bar Luanda, na Rua José do Patrocínio, 988. J. Altair faleceu na sexta-feira, dia 15 de fevereiro de 2013. Referências: https://www.blackbrazilart.com.br/ingenuo-e-primitivo Disponível em: 09/06/2023 http://jaltairnaif.blogspot.com/p/o-artista.html Disponível em: 31/05/2023 ESPÍNDOLA, Daniela Rodrigues. Nego Lua: o legado de um importante e influente militante negro de Porto Alegre. Concurso Décio Freitas/ Funproarte-SMC. Porto Alegre. 2015. SILVA, Luiz Mariano Figueira. A Formação do Acervo Artístico de Porto Alegre: A gênese das pinacotecas municipais nos anos 1970. Trabalho de Conclusão de Graduação em Museologia. Porto Alegre: UFRGS, 2013.
- Luis Vagner
L uis Vagner Dutra Lopes – Luis Vagner, o Guitarreiro – , nasceu na cidade de Bagé (A Rainha da Fronteira), no dia 20 de abril de 1948, e veio a falecer no dia 9 de maio de 2021 em Itanhaém, São Paulo. Foi músico e compositor de grande sucesso no país. A carreira de Luis Vagner foi marcada pela sua versatilidade musical, começando com o rock soul, passando pelo samba rock, em que fez parcerias com Bedeu, Bebeto e Jorge Ben Jor, chegando ao reggae. O pai e o avô do Guitarreiro eram músicos. O pai, violonista, resolveu homenagear o compositor alemão Wagner e batizou o filho: Luis Vagner Dutra Lopes. Jovem, começou a “correr mundo”, indo para Dom Pedrito, passando por Santa Maria, onde conheceu Cauby Peixoto e Lupicínio Rodrigues, a quem viria acompanhar como músico nos anos de 1960. Foi para Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, onde morou no Beco da Fossa, famoso reduto de músicos iniciantes como Paulinho da Viola e Caetano Veloso, período em que se tornou músico de estúdio. Depois, morou em Vaux sur Seinne (França), retornando a São Paulo em 1994. Em 2013, voltou a Porto Alegre para residir no bairro do Partenon e, em 2020, mudou-se para o litoral paulista de Itanhaém. Sua carreira começou aos 14 anos, quando já se apresentava nos programas gaúchos de TV com a banda The Jetsons. Logo depois, junto com Anyres Rodrigues, Franco Scornavacca e Edson Aymay, formou Os Brasas, um dos grandes nomes da Jovem Guarda, lançando hits nacionais com o balanço do seu grupo e da sua guitarra. Mas foi no samba rock que Luis Vagner imortalizou o seu nome ao lado de figuras como Bebeto, Jorge Ben Jor, Bedeu e Grupo Pau Brasil. Emplacou grandes sucessos como: “Saudades de Jackson do Pandeiro”, “Coisa Boa”, “Segura a Nega” entre outras. Uma curiosidade ronda o apelido Guitarreiro que acompanharia Luis Vagner. Em uma versão da história, teria sido Jorge Ben Jor o autor, mas o mais provável é que foi o grande amigo e músico de Tim Maia, o cantor Fábio, que o teria batizado. A consideração de Jorge por Luis Vagner era tanta, que compôs em sua homenagem a música Luis Vagner Guitarreiro, que se encontra no álbum Bem Vindo Amizade , de 1981. Entre as curiosidades que cercam o seu nome está o fato de ser considerado um dos precursores do reggae no Brasil ao lado de Gilberto Gil. Tocou com músicos consagrados do cenário nacional e internacional como Herbie Hancock, Wayne Shorter, The Wailers, Lupicínio Rodrigues, Jamelão, Zé Ketti, Nelson Gonçalves, Bibi Ferreira e outros. Ao todo, foram dez álbuns de estúdio, um ao vivo, além de participações em produções de artistas como Os Diagonais, Lady Zu, Jorge Ben Jor, Bedeu, Paulo Diniz, Eliana Pittman, Tom Zé entre outros. As músicas de Luis Vagner revelavam um pouco de sua personalidade. Conforme Daniel Sanes (2021): Algumas letras passam um sentimento de inadequação, de necessidade de afirmação no cenário musical. Ao mesmo tempo, soam como uma declaração de princípios, e demonstram o orgulho de Vagner em relação a suas raízes negras e brasileiras, algo que se tornaria uma constante em seu trabalho. Em Porto Alegre, Luis Vagner viveu no bairro do Partenon, localizado na zona leste da cidade. Foi imortalizado na letra “Lá no Partenon”. Na composição, Guitarrero nos apresenta em forma de versos aspectos que marcam o bairro, como as tendências e estilos musicais que a rapaziada curtia e a paisagem do lugar, assim como, o cotidiano do espaço. Luis Vagner Dutra Lopes produziu o seu último álbum Música Planetária Brasileira, que contou com lançamento póstumo. O Guitarreiro teve uma relação muito profunda com sua parceira de sempre, a música. A importância de Luis Vagner para o cenário da música afro-gaúcha é imensurável, uma vez que influenciou e continua influenciando músicos, como Bedeu e Ultramen. Nos deixando um legado de leveza e amor à vida através de suas composições, Luis Vagner era adepto do budismo Nishiren Daishonin, e sempre proferia uma prece Nam myoho rengue kyo . Referências SANES, Daniel. O disco que consagrou Luis Vagner como protagonista do samba-rock. In : Nonada . [ S. l .], 23 set. 2021. Disponível em: https://www.nonada.com.br/2021/09/o-disco-que-consagrou-luis-vagner-como-protagonista-do-samba-rock. Acesso em: 28 abr. 2023. LUIS Vagner. In : WIKIPEDIA: the free encyclopedia. [San Francisco, CA: Wikimedia Foundation, 2022]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_Vagner . Acesso em: 28 abr. 2023. LUIS Vagner. In : DICIONÁRIO Cravo Albin Da Música Popular Brasileira. [ S. l .]: Agência OD, 2021. Disponível em: https://dicionariompb.com.br/artista/luis-vagner . Acesso em: 28 abr. 2023. DEFFERRARI, Edu. Em memória do grande Guitarreiro: músicos lembram a obra e ressaltam legado de Luis Vagner. In : GZH . Porto Alegre, 13 maio 2021. https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2021/05/em-memoria-do-grande-guitarreiro-musicos-lembram-a-obra-e-ressaltam-legado-de-luis-vagner-ckon8g0xj006f018mmtfxj6s1.html . Acesso em: 28 abr. 2023.
- Mãe Norinha de Oxalá Obiofã
N ascida Leonor dos Santos Almeida em 1939(?), terceira geração de uma linhagem de religiosos representantes da nação Oió, adotou o nome de Norinha por influência de sua avó carnal, Mãe Nora de Iansã. Sua mãe natural, Zeferina de Oxum, foi uma das fundadoras da Federação das Religiões Afro-brasileiras - Afrobrás. A família habitava a região do Areal da Baronesa (Cidade Baixa, Menino Deus e Praia de Belas), um dos locais que teve o maior número de terreiros de religião de matriz afro-brasileira, sobretudo, como referia Mãe Norinha – em entrevista à pesquisadora Cíntia A. de Ávila: posso citar alguns, não todos, porque eram muitos morando todos na mesma rua. Era Mãe Mércia de Iemanjá, Mãe Joaquina de Iansã, que era minha mãe de santo, vó Nora de Iansã, minha avó carnal, Mãe Zeferina de Oxum, minha mãe carnal. Eu me criei dentro de duas casas religiosas. A Mãe Joaquina morava na frente da casa de minha mãe. Reconhecida por sua atuação religiosa e pelos conhecimentos profundos sobre os fundamentos litúrgicos da nação Oió, essenciais para o desenvolvimento espiritual de tantos filhos e filhas de santo que frequentaram sua casa, Mãe Norinha rompeu as barreiras seguras de atuação prestigiosa que a sua biografia assegurava no campo religioso para dar passos significativos em direção à atuação política em defesa das religiões afro-brasileiras. Em 2002, fundou a Congregação em Defesa das Religiões Afro-brasileiras (CEDRAB) durante os preparativos da 11ª Semana da Consciência Negra. Com este ato, trouxe para o interior do movimento negro a discussão da religião como constituinte do patrimônio cultural negro, pauta que até então era negligenciada pelas associações do movimento. Mãe Norinha não compreendia a existência do movimento negro sem a presença da religião de matriz africana. “A religião é essencial para o negro. Claro que existem negros evangélicos, católicos, mas a principal religião no início foi a nossa”. A religiosa passou a frequentar reuniões do movimento e a trabalhar para a materialização de um grande sonho: o Projeto Bará do Mercado, que daria frutos como o registro da tradição Bará no Mercado como patrimônio imaterial de Porto Alegre (Lei n. 9.570/2004), referendado pela Câmara Municipal em 2020. Com isso, em 2013, pela influência do trabalho incansável da yalorixá a execução de uma obra de arte é assinada pelos artistas negros Pelópidas Thebano e Leandro Machado: uma escultura/mosaico consagrada a este orixá, localizada no centro ou encruzilhada do Mercado Público, como parte do roteiro do Museu de Percurso do Negro. A primeira reunião da religiosa com representantes do movimento negro para esse fim, no entanto, foi no início do século XXI, na Associação Satélite Prontidão. No ano de 2004, o CEDRAB é institucionalizado. Torna-se a voz mais eloquente em um novo campo de atuação que Cíntia Ávila (2009) entende como sendo a interface entre a religião e a política na luta contra a intolerância religiosa sofrida pelas religiões afro-brasileiras por parte da sociedade gaúcha, sobretudo, por parte das igrejas pentecostais. São, naquele período, membros da direção do CEDRAB, além de Mãe Norinha, Baba Diba de Iemanjá, Mãe Teresa de Iansã, Mãe Maria de Oxum, Mãe Angélica de Oxum, Mãe Valdete do Bará e logo após, Pai Nilson de Oxum. A luta de Mãe Norinha contra a discriminação sofrida pelas religiões de matriz afro-brasileiras e, em especial, a campanha empreendida contra a proibição ao abate ritual de animais, conquistou o apoio de intelectuais, políticos e do movimento negro. Levou a religiosa a ser ouvida na Câmara dos Deputados em Brasília e ser acolhida nos terreiros baianos. Sua visão e postura firme ao longo da vida contra a intolerância religiosa influiu decisivamente para a sua participação no projeto que constituiu o espaço inter religioso nas unidades do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) em Porto Alegre, iniciativa que possibilita assistência espiritual aos pacientes e profissionais do GHC conforme suas crenças e contribui para a cultura de respeito à diversidade religiosa. Mãe Norinha faleceu em 05 de maio de 2018. Referências: ÁVILA, Cintia Aguiar. Na interface entre religião e política: origem e práticas da congregação em defesa das religiões afro-brasileiras (CEDRAB/RS). Dissertação de Mestrado em Antropologia, Porto Alegre: UFRGS, 2009 https://www.youtube.com/watch?v=rxoFhd7x34A Disponível em: 05/06/2023 https://www.ufrgs.br/biev/producoes/o-bara-do-mercado-publico/ Disponível em: 08/06/2023
- Magliani
M aria Lídia Magliani (Pelotas, 1946 – Rio de Janeiro, 2012) nasceu em uma família de artistas e decidiu ser pintora. Na verdade, se tornou uma multiartista: foi atriz, desenhou figurinos, fez arte gráfica, objetos tridimensionais e realizou cenografias. Criança, foi morar em Porto Alegre, na periferia, no bairro Sarandi. Sua história no mundo artístico se inicia em 1963, quando passa a estudar artes no então Instituto de Belas Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sendo a primeira mulher negra a receber diploma de artista daquela universidade em 1966. O trabalho de Magliani logo se torna referência no Estado. A artista passa a viver em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, tendo participado ao longo da carreira de mais de 100 exposições individuais e coletivas. Contando com obras nos acervos dos principais museus públicos e privados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo, é nome de rua no bairro Campo Novo, na capital gaúcha. Embora nunca tenha se declarado militante, sua obra é considerada de grande força poética e atravessada por temáticas feministas, raciais e políticas. Suas pinturas enfatizam de uma forma dilacerada e trágica a figura humana e o corpo da mulher dentro de uma sociedade misógina. O professor Paulo Gomes, do Instituto de Artes da UFRGS, diz que apesar das dificuldades de ser artista, mulher e negra à época (anos 1960), Magliani conseguiu um reconhecimento rápido dentro de um sistema que por princípio é bastante fechado e machista. Criou boa parte das suas obras no período da ditadura civil-militar. Apesar de ter passado por sérias dificuldades financeiras no fim da vida, é indiscutível a importância de sua obra, na atualidade, para estudantes, artistas, pesquisadores e curadores negros, ressalta o professor Paulo Gomes (2022): O trabalho dela tem grande relevância porque ela transformou-se realmente em um exemplo. Um exemplo de mulher negra, artista bem-sucedida, que era de uma classe social baixa, que faz uma universidade pública e consegue estudar, se formar e projetar uma carreira nacional de grande relevância. A artista pioneira que quebrou uma série de barreiras ao longo da vida, produzindo com reconhecimento numa sociedade machista, autoritária e racista, sem nunca se render aos modismos da arte, construiu uma biografia que é referência para jovens negros e negras que procuram lançar questões pungentes sobre a sociedade atuando no campo das artes. Referências: GOMES, Paulo. Poética visual marcante de Maria Lídia Magliani inspira novas gerações. [Entrevista cedida a] Victoria Rodrigues. Jornal da Universidade , Porto Alegre, 30 jun. [2022]. Disponível em: ufrgs.br/jornal/poética-visual-marcante-de-maria-lidia-magliani-inspira-novas-geracoes. Acesso em: 03/12/2021 ROSA, Renato. Magliani: A solidão do corpo. Pinacoteca Aldo Locatelli. Prefeitura de Porto Alegre, 2013. OLIVEIRA, Luanda Dalmazo. Maria Lídia Magliani: uma trajetória possível. Trabalho de Conclusão de Curso. Instituto de Artes, Curso de História da Arte, Porto Alegre, 2018
- Nega Lu
B atizado Luiz Airton Farias Bastos em 19 de dezembro de 1950, no bairro Menino Deus, Nega Lu, como tornou-se popularmente conhecido, pertencia a um dos núcleos de famílias negras deste bairro. O pequeno comércio do avô paterno e da prestação de serviços foi a base de sustentação da família Bastos. Este pequeno negócio foi impulsionador do acesso ao magistério por uma de suas tias. Apesar de católicos praticantes, sua bisavó paterna era uma conhecida ialorixá (do batuque) na região, prática religiosa que envolvia parte da família paterna. Órfão de mãe ainda muito criança, foi criado por esta avó ialorixá na casa onde morou toda a sua vida. A música, muito presente e marcante, foi um legado de seu bisavô pianista. Sua trajetória estava ligada a sua atuação no circuito cultural da cidade de Porto Alegre nas décadas de 1970 a 1990. Estudou na Escola Infante Dom Henrique, onde já ensaiava seus primeiros solos inspirados nas cantoras americanas Ella Fitzgerald, Billie Holiday e Janis Joplin, com uma potente voz, destacando-se nas gincanas estudantis. Foi solista dos corais da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi bailarino clássico, coreógrafo de peças e desfiles de moda, lecionou dança, jazz e postura na Escola de Modelos La Porta. Atuava no carnaval de rua do Menino Deus, onde marcou como um dos destaques mais conhecidos da famosa Banda da Saldanha. Nega Lu faleceu em 17 de setembro de 2005, antes de presenciar os direitos conquistados pela comunidade gay da qual fazia parte ativamente na cidade. Na cidade baixa, há poucos anos, surgiu uma mural em grafite na rua Lima e Silva em sua homenagem.
- Nego Lua
N ego Lua é uma referência para o ativismo militante negro contemporâneo. Batizado com o nome de José Alves Bittencourt, nasceu em Bagé, em 29 de julho de 1942, mas foi em Porto Alegre, onde passou a ser conhecido como Lua, que se construiu como um ativista na luta pela igualdade racial e por uma sociedade mais justa de direitos e cidadania. Foi a vivência nos espaços de sociabilidade negra e a formação política que forjaram essa militância. Embora tivesse pouca escolaridade formal, era reconhecido e respeitado pela leitura e interpretação na prática cotidiana de clássicos da literatura política. Nos anos 1970, foi um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU). Na década seguinte, ajudou a fundar e organizar, no Estado, o Partido dos Trabalhadores (PT), onde coordenou o núcleo negro do partido no Rio Grande do Sul. Incansável, no final dos anos 1990 e começo do novo século, passou a coordenar a Assessoria de Políticas Públicas para o Povo Negro na Frente Popular da Prefeitura de Porto Alegre (governos petistas de 1989 a 2002). No entanto, suas marcas mais conhecidas são o fato de ter idealizado e criado o Grupo de Trabalho Angola Janga, em 11 de novembro de 2002, que é como os portugueses chamavam o Quilombo dos Palmares, expressão que significa “Angola Pequena”, e onde a ideia de quilombo pode ser entendida como uma sociedade mais igualitária. Outro foco de luta do militante foi pela construção do Centro de Referência Afro-brasileiro (CRAB). Idealizado para ser um espaço agregador e propositivo para o ativismo negro em torno das lutas por igualdade racial, ele não foi realizado, mas continua na pauta de boa parte das associações do movimento – em grande parte, seguramente, pela tenacidade com que Nego Lua defendia essa ideia. O trabalho deste idealista, entretanto, está visível quando se percorre a cidade no Museu de Percurso do Negro, obra de que foi, também, um dos idealizadores, tendo lutado arduamente para que fosse realizada, o que fez presidindo o Conselho Gestor do Museu até 10 de novembro de 2009, ano em que faleceu sem ver erguido O Tambor , primeiro e significativo marco do Museu. Nego Lua passou a maior parte da sua juventude morando na Rua Cabo Rocha (hoje Prof. Freitas de Castro), um dos locais da cidade marcados pela sociabilidade negra. Sua atividade laboral como carregador e estivador no porto da capital é sinônimo de um dos tipos de trabalho realizado majoritariamente por negros. Fato pouco conhecido, mas importante para se entender o percurso militante do Nego Lua, foi ele ter sido um dos fundadores e proprietário, por breve período, do bar Luanda, na Rua José do Patrocínio, 988. Lua só conseguiu comprá-lo, segundo Daniela Espíndola, por meio de indenização após sofrer acidente durante seu trabalho no porto. Foi fundamental ainda para a sua formação militante, o diálogo que veio a estabelecer nos anos 1970 com Helena Vitória Machado e Oliveira Silveira. Referências: ESPÍNDOLA, Daniela Rodrigues. Nego Lua: o legado de um importante e influente militante negro de Porto Alegre. Concurso Décio Freitas/ Funproarte-SMC. Porto Alegre. 2015. VILASBOAS, Ilma Silva; BITTENCOURT JÚNIOR, Iosvaldyr C; SOUZA, Vinicius Vieira. Museu de Percurso do Negro em `Porto Alegre. Editora Porto Alegre, 2010