- Pedro Vargas
- há 7 dias
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A primeira sessão da Câmara do Continente de São Pedro, realizada em Porto Alegre, ocorreu em 06 de setembro de 1773, após a transferência de Viamão (que foi sede administrativa após a invasão de Rio Grande pelos espanhóis por quase dez anos). A mudança foi imposta pelo Governador José Marcelino de Figueiredo depois da elevação da Freguesia à condição de Vila de Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre.
A Câmara daquele momento era uma concessão do Rei e não tinha caráter democrático nem representativo. Os vereadores eram escolhidos por 14 “homens bons” e representavam apenas os interesses das elites. Por evidente não estava no horizonte de expectativa daquela sociedade tratar de recortes de gênero, raça e/ou desigualdades ou problemas de ordem econômica e social.
Os vereadores, por conseguinte, eram homens, brancos, livres e proprietários, e por esse espectro a composição vinha carregada de um pensamento homogêneo. Tais personalidades administravam a cidade.
Até a Proclamação da República, em 1889, os municípios não contavam com a figura de um intendente municipal ou prefeito como na denominação atual. O primeiro intendente da capital tomou posse em 1892, quando a câmara assumiu as funções de Conselho Municipal.
Uma mudança mais consistente na direção de uma maior representação popular e democrática da população só veio com a constituição de 1947, com um novo ciclo democrático vivido após a deposição do Governo Vargas, em 1945, e a instalação de um pluripartidarismo, com representantes eleitos pelo voto direto, incluindo o direito à remuneração do edil, período após o qual o parlamento municipal assumiu as funções legislativas e de fiscalização do poder executivo.
Somente após 175 anos passados da instalação da primeira plenária de vereadores na capital é que foi surgir uma mulher eleita: Julieta Bastiolii, em 1948.
Nesse ritmo, foi somente no crepúsculo do século XX, na legislatura de 1997 a 2000, ou seja, após intervalo de 224 anos entre esse momento e a primeira reunião dos vereadores naquele distante 06 de setembro de 1773, que a Câmara da então Capital Porto Alegre foi contar com duas mulheres negras no quadro de vereadoras: Tereza Franco, a “Nega Diaba”, eleita pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), na condição de parlamentar titular, e Sonia Saray, eleita pelo PT – Partido dos Trabalhadores, na condição de suplente.
Tereza Franco (nome parlamentar) nasceu em Rio Pardo – RS, em 1938, era solteira, mãe de 06 filhos e analfabeta. Sua biografia registra que ela teria vivido já as condições de prostituta, ladra e de primeira mulher a traficar drogas na capital.
O apelido de “Nega Diaba” - - que veio a marcar sua trajetória - é atribuído a um agente policial - que após correr alguns quilômetros para prendê-la - teria declarado:
- Essa nega deve ser o próprio diabo.
Uma história que ficou no imaginário popular, sem haver certeza se é verdadeira ou não.
Tereza Franco integrou a 12ª Legislatura e, aos 59 anos, foi a vereadora eleita com o maior número de votos até então, 6.423. Ela era apoiada pelo popular radialista Sérgio Zambiazi, deputado estadual e depois senador, tendo sido o líder do PTB - Partido Trabalhista Brasileiro.
Apesar de ter sofrido muitas críticas, especialmente pelas dificuldades de usar a tribuna da Câmara e por ser analfabeta – Tereza venceu essa condição e alfabetizou-se durante o mandato.
As críticas alcançavam também uma postura mais assistencialista - que teria marcado sua forma de atuação - em contraposição a uma linha política mais ideológica.
Contudo, é fato que a vereadora quebrou todos os paradigmas possíveis de representação da parcela mais invisível da sociedade: negros pobres, encarcerados, prostitutas, mães solos, analfabetos.
A transparência com sua trajetória e biografia faziam dela mais do que portadora de um lugar de fala, ser ela mesma, seu corpo, um espelho de enunciação. Foi conhecida ainda por adotar uma estética afro-centrada nos trajes e na fala, hoje em dia tão referida no meio social, sendo deste modo precursora do empoderamento estético feminino negro da atualidade.
Tereza Franco, a ‘Nega Diaba”, faleceu em 19 de junho de 2021, aos 63 anos, aqui mesmo, em Porto Alegre.
Essa pesquisa tomou como referência as seguintes fontes:
SEBENELLO, Sonia Martins. Gênero e Poder, possíveis contradições no processo de emancipação feminina. PUCRS, Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, 2004.
Porto Alegre. Câmara Municipal de Vereadores. Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Porto Alegre.
24 anos depois, Nega Diaba ainda é a única mulher negra eleita para a Câmara de Porto Alegre - Sul 21, último acesso em: 15/02/2025.
Pesquisa de imagem: Leandro Machado
Podcast Histórias Femininas
Reportagem Sul 21
Site Câmara POA